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FOFINHOS DEMAIS
Vítimas de pressões culturais, jovens com peso acima da média tornam-se alvo de intenso bombardeio
das autoridades
de saúde
Gordinhos na mira
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Você sabia que, no Brasil do Fome Zero,
há mais obesos que subnutridos? Que
o número de jovens obesos triplicou nos
últimos 30 anos no país? E que a obesidade está entre os dez fatores que trazem
mais risco de morte, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)?
A cada dia, novas pesquisas sobre os
males do excesso de gordura produzem
dados de arrepiar os pêlos de cada pneuzinho extra.
A obesidade já é considerada uma epidemia mundial. E, por mais que o governo brasileiro não tenha um programa
"Dieta já", o Ministério da Saúde, em
parceria com a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade), já está
pesquisando a obesidade no país para
criar programas contra a doença, especialmente entre crianças e adolescentes.
Tudo isso, aliado à pressão social e cultural em prol do corpo magro ou sarado
e às recomendações médicas, faz com
que fofinhos, gordinhos e obesos entrem
no mesmo balaio da paranóia dos quilos
e curvas que destoam da ordem metralhada pela TV, pelas revistas e pela moda:
seja magro e seja lindo e desejado.
Pressão total
O mundo moderno parece conspirar
para a obesidade e para os distúrbios alimentares. Cada vez mais as pessoas são
sedentárias. Seja dentro do carro ou na
frente da TV e do computador, o que
mais se faz na vida é ficar parado.
Para piorar a questão da inatividade física, o desenvolvimento industrial facilitou a vida do homem, mas bombardeou
sua dieta com alimentos extremamente
calóricos, cujo consumo é alavancado
por campanhas publicitárias milionárias
e bastante eficazes. Coma, coma, coma.
Beba, beba, beba.
"Hoje há dois modelos: o muito magro
e o sarado. Os dois excluem a gordura.
Por outro lado, há cada vez mais obesos
no mundo, que se sentem fracassados
por não se encaixarem em nenhum dos
modelos vigentes", explica o psiquiatra
Wlademir Bacelar do Carmo Filho, que
constatou, em uma pesquisa feita com a
Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo), que os jovens obesos apresentam
até quatro vezes mais sintomas depressivos que aqueles com peso normal.
"É preciso colocar na cabeça das pessoas que a obesidade é uma doença de
obesos, e não de quem está um pouco
acima do peso", frisa o endocrinologista
Joseph Repeto, presidente da Abeso. "Há
uma idéia, implantada por não sei quem,
de que bonita é a mulher cadavérica, e isso é um fator neurotizante", diz. Mas que
esteja claro: ninguém defende os vários
quilos a mais. Gordura em excesso faz
mal, e muito, ao corpo. "A obesidade é
ruim. Mas a falsa idéia de que se está obeso quando o que há é apenas excesso de
peso pode ser pior porque gera muitos
casos de anorexia, que também é uma
doença que mata", alerta. Quando emagrecer vira uma neurose, quem mais sofre é a saúde.
Mudança de hábito
Ana Claudia da Silva, 24, já assumiu seu
1,82 metro e seus 150 quilos faz tempo.
"Sempre senti pressão para emagrecer,
mas sempre fui assumidíssima. Não tinha como ser diferente", conta. No fim
do ano passado, no entanto, Ana teve crises de hipertensão em virtude do
excesso de peso. "Aí, tive
de me sacrificar", diz.
Ela garante que quem
está muito gordo nunca
liga de comer um ou dois
bombons a mais. "Sempre pensava: já que estou
desse tamanho, não vou
me estressar com uma
dieta. Agora, com minha
saúde em risco, quero emagrecer 80 quilos."
Não foi por medo da morte
nem por problemas de saúde
que o estudante de turismo Bruno Barreto Manfrini, 18, resolveu
frequentar uma academia de ginástica. "Estou malhando por vaidade,
quero perder uns 16 quilos. Aliás, perder, não, que acaba se achando de novo.
Quero fazê-los desaparecer", afirma.
Com 1,87 metro e 121 quilos, ele assume a
postura de gordinho há 13 anos.
Seu primo, Cássio Motta, acompanha-o nos exercícios. Ele diz que está acima do
peso há 17 anos, ou seja, a vida toda. Com
1,82 metro e 125 quilos, Cássio justifica a
decisão de malhar com um motivo muito
natural. "Fica difícil chegar "nas mina" de
primeira. Tenho de ficar amigo e só depois dou em cima de verdade e rola alguma coisa", conta.
"Sempre fui muito popular. Tenho
muitos amigos. Nunca tive problemas
com isso. Já com a paquera era mais difícil", conta Ana. Depois, ela começou a
frequentar encontros de gordinhos para
"arrumar alguém". E foi lá que conheceu
seu namorado, que, segundo ela, não é
gordinho. "Ele ia aos encontros porque
gosta de gordinhas." E isso fez toda a diferença para ela. "Hoje, eu me acho bonita. Só não me achava antes de tanto me
chamarem de gorda. As pessoas relacionam a beleza à magreza. Mas nem todo
gordo é feio. Existe muito gordinho lindo
por aí."
(colaborou Ricardo Lisbôa)
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