São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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"Capitão Nascimento não é herói"

Ex-Bope, o roteirista Rodrigo Pimentel fala o que você precisa saber

DA REPORTAGEM LOCAL

Ex-capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, 36, é um dos autores do livro "Elite da Tropa", que originou o filme, e um dos roteiristas de "Tropa de Elite". O Folhateen insistiu para entrevistar também o diretor José Padilha, mas sua agenda lotada não permitiu.
(LETICIA DE CASTRO)



FOLHA - Para muitos adolescentes, o capitão Nascimento é um herói. O que você pensa sobre isso?
RODRIGO PIMENTEL
- Quando eles assistirem a esse filme de novo, daqui a 20 anos, quando o país tiver mais segurança, menos corrupção, eles vão entender que o Nascimento não é herói.

FOLHA - Por quê?
PIMENTEL
- Porque um herói não executa e não tortura. Quando o país estiver melhor, eles vão entender que o capitão Nascimento é uma pessoa com problemas.

FOLHA - Quem é o capitão Nascimento, na sua opinião?
PIMENTEL
- Ele é uma pessoa cheia de dramas pessoais. Não é herói nem assassino. Entendo que o ponto de vista dos adolescentes -aliás, não é só dos adolescentes; muita gente teve essa interpretação- é fruto do momento do país, em que todas as instituições estão dilaceradas. As pessoas vêem no Nascimento o vingador, o justiceiro.

FOLHA - Mas você não acha que o filme contribui para que o público tenha essa interpretação? No filme, por exemplo, o Bope não erra, não mata inocentes nem é corrupto.
PIMENTEL
- O roteiro teve nove tratamentos. Em um deles, havia a morte de um inocente. Isso não apareceu porque tínhamos uma hora e 50 minutos para contar a história. Eu tinha que mostrar a eficácia de um batalhão e a corrupção do outro. É assim que se constrói roteiros, eu preciso desses antagonismos. É lógico que a PM não é tão corrupta e o Bope não é tão honesto quanto no filme. Mas eu precisava dessa licença poética para que ele funcionasse como entretenimento.

FOLHA - Gírias como "bota na conta do Papa" e "pede pra sair" foram incorporadas pelos adolescentes. O que você acha disso?
PIMENTEL
- Acho que existia uma demanda reprimida de ver a polícia na tela. Aquelas falas são fora do comum, são inusitadas, repetidas à exaustão. Não vejo isso como algo negativo para o filme nem para o adolescente. O que me deixa preocupado são as simulações de violência, adolescentes representando tortura, saco na cabeça.

FOLHA - Você chegou a ver algum desses vídeos no YouTube?
PIMENTEL
- Vi e fiquei horrorizado, chateado.

FOLHA - No filme fica clara a opinião do capitão Nascimento sobre o problema do tráfico: os usuários são os responsáveis pela violência que ele gera. Você concorda?
PIMENTEL
- Essa visão não é do José Padilha [diretor do filme] nem do capitão Pimentel; é do personagem. Ela é correta no momento em que o usuário compra maconha de uma pessoa que estabelece uma ditadura num território. O errado é o Nascimento explodir com aquele garoto e dizer que ele é o culpado por tudo, porque ele não é o único. Existem muitos outros: a desigualdade social, o desemprego, a ausência de políticas públicas eficazes, a corrupção policial e a impunidade. É uma visão preconceituosa a do capitão Nascimento.

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