São Paulo, Segunda-feira, 22 de Novembro de 1999
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Remexendo na Sepultura

Foto Arquivo Sepultura
A banda em sessão de fotos para o disco "Bestial Devastation"



IVAN MIZIARA
especial para a Folha

Reza a lenda que, lá pelos idos de 1988, Max Cavalera, vocalista e guitarrista do Sepultura, partiu para Nova York com a cara e a coragem, carregando apenas a passagem de volta e uma fita do disco "Schizophrenia" embaixo do braço. Ao voltar ao Brasil, trazia um contrato assinado com a gravadora Roadrunner e o passaporte carimbado para uma carreira de sucesso no competitivo circuito mundial do heavy metal.
Como toda lenda, essa também contém somente meia verdade e um bom golpe de marketing. Na realidade, Max foi para os EUA bem "calçado". Já havia feito contatos anteriores com a direção da gravadora e foi recebido no aeroporto por Mont Conner, um executivo da empresa que há muito estava de olho no potencial da banda brasileira.
Essa e outras histórias reais são narradas em detalhes saborosos e bem-humorados no livro "Sepultura" (R$ 20), biografia escrita pelo jornalista André Barcinski e por Silvio Gomes, com lançamento previsto para o próximo sábado (27/11), às 16h, nas Grandes Galerias (r. 24 de Maio, 62, loja 452), quando a banda estará autografando o livro. O trabalho integra a "Coleção Todos os Cantos" (da Editora 34, com patrocínio do Grupo Pão de Açúcar).
Silvio é um velho amigo de Max e Igor Cavalera e uma espécie de "faz tudo" no grupo, desde os tempos heróicos de BH. É considerado o "quinto membro" do Sepultura. Ele e Barcinski consumiram dois anos na preparação do livro, coletando depoimentos, histórias engraçadas e material fotográfico sobre a banda.
A maioria das fotos (cerca de cem) foram resgatadas com a mãe do baixista, Paulo, que mantém em seu poder cerca de 20 álbuns, com material publicado sobre o grupo no mundo inteiro. É um dos grandes trunfos do livro, mostrando instantâneos de Max, Igor, Andreas e Paulo, desconhecidos até pelo mais fanático de seus admiradores.
Outro grande achado dos autores: "Sepultura", a biografia, não é destinado somente a fãs e iniciados em heavy metal. "Mesmo quem não entende nada de som pesado poderá acompanhar a trajetória da banda, sem problemas", garante Barcinski. "E aqueles que entendem vão descobrir muita coisa nova", completa.
Silvio Gomes acha fundamental esse aspecto "inespecífico" da obra. "É importante que todas as pessoas conheçam a força do Sepultura, com sua legião de admiradores espalhados pelo mundo todo." É bom frisar que só um músico brasileiro consegue fazer tanto sucesso quanto eles lá fora: o falecido maestro Tom Jobim.
Outro ponto importante, ressalta Gomes, é que, diferentemente da maioria das biografias de astros do rock, escritas por pessoas sem convívio íntimo com seus biografados, essa conta com um autor que acompanhou o nascimento do grupo desde os seus primórdios. É uma vantagem e tanto.
O texto, de fácil leitura, é dotado de muito bom humor. As passagens que narram as peripécias da banda em seus primeiros shows, com equipamentos pouco mais que indigentes (o baterista Igor, por exemplo, começou usando um kit que continha apenas um tarol, repinique e o prato sustentado num cabo de vassoura), são hilariantes.
Acima de tudo, é um livro que transpira honestidade. "Tivemos a preocupação de ser imparciais", garante Gomes. André Barcinski completa dizendo que várias mentiras são desmistificadas na obra.
Um exemplo é a imagem que o Sepultura espalhou no exterior de que seus integrantes viviam em favelas brasileiras. "Todos nós sabemos que mais classe média que o bairro de Santa Teresa, de onde saíram, em Belo Horizonte, é impossível", diz Barcinki, expondo mais um lance de marketing do grupo.
Entre a profusão de detalhes pitorescos da vida do Sepultura, os autores também entregam ao leitor informações técnicas, descrevem sessões de gravações, tudo sem cair no didatismo chato.
As rusgas internas e a saída de Max Cavalera da banda também não poderiam ficar de fora. Por conta das desavenças, o próprio Max se recusou a colaborar com a elaboração da biografia. "Assim como o resto do grupo, eu também me senti traído por ele", confessa Gomes.
Mas, à parte o lado amargo da história, as aventuras desses adolescentes românticos, tentando inventar uma cena de heavy metal no deserto do rock brasileiro, as dificuldades que enfrentaram, tudo isso faz com que a narrativa, a certa altura, assuma um caráter épico. Principalmente quando se conhece a trajetória meteórica do grupo no cenário mundial.
"Os primeiros shows, a vontade com que encararam os desafios, o primeiro encontro com seus ídolos, como Lemmy Kilmister, do Motorhead, e King Diamond, a participação em grandes festivais e o estágio que atingiram tornam a história do Sepultura emocionante", diz Barcinski.
Acima de tudo, o livro é uma justa e necessária homenagem à maior banda de heavy metal do país. Barcinski e Gomes conseguiram narrar a saga dos moleques de Santa Teresa sem ufanismo, mas com um olhar cheio de admiração. É tudo que um biografado pode desejar.



No dia 4 de dezembro de 1984, o Sepultura fez sua estréia. Ou melhor, metade do Sepultura, já que Paulo e Roberto UFO não compareceram (...). A formação do Sepultura naquela noite histórica foi, portanto, Max na guitarra, Wagner no vocal e Igor na bateria. O show foi um desastre: Max tocou com a guitarra totalmente desafinada, Wagner errou todas as letras e Igor espancou a bateria como se o mundo estivesse prestes a acabar (...). Dos cento e poucos metaleiros que estavam na platéia, apenas um, Carlos Sabbath, veio elogiar a banda no fim do show: "Foi uma merda, mas eu adorei!"



O interesse pelo Sepultura no exterior ficou evidente quando a gravadora alemã Shark lançou versões piratas dos três discos da banda. (...). A Cogumelo imediatamente entrou com um processo contra a Shark. Anos depois, a gravadora mineira receberia dos alemães uma compensação pela venda ilegal de mais de 20 mil discos do Sepultura na Europa.



Em setembro de 1989, o Sepultura partiu finalmente para sua primeira excursão internacional. (...). Tudo era novidade para eles: a língua, os costumes, a comida... Paulo, por exemplo, nunca tinha viajado para o exterior. Max era o único dos quatro que falava alguma coisa de inglês e virou o "porta-voz oficial" da banda. Andreas e Igor se comunicavam com os europeus através de sinais.


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