São Paulo, segunda, 24 de março de 1997.

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Beavis e Butt-Head vão deixar de ser cool

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

Criado pelo físico texano Mike Judge, "Beavis and Butt-Head" não é apenas mais um desenho animado. Resume como nunca se tinha visto a condição de ser moleque e estar fora do mundo.
Perdidos em um subúrbio terra-do-nada, longe de tudo, os dois são burros na escola, incapazes de juntar A com B, mas praticam com verve incomparável uma espécie de crítica absoluta da indústria pop.
Eles ignoram as aulas do professor, o hippie tardio Van Driessen, só que aprenderam muito bem as lições do mestre Kurt Cobain: roqueiro bom é roqueiro que não finge, faz muito barulho, leva o estilo de vida rocker às últimas consequências.
E é com esses parâmetros na cabeça que a dupla desbocada ridiculariza todo videoclipe com pretensões artísticas. Imagens em preto e branco e letras de músicas que, além de cantadas, aparecem escritas, são combustível certo para ironias.
Vocalistas cabeludos, tipo Sebastian Bach e Axl Rose, merecem os comentários mais ácidos.
Beavis e Butt-Head têm direito a ser tão irônicos. Afinal, representam o ápice do cool. Gostam de guitarras pesadas, vocais gritados, rock and roll básico. Tudo aquilo que, sabemos, a chamada cultura jovem produz de melhor.
Mas será que é isso mesmo?
Era.
O fato é que, pela primeira vez, desde que o rock foi inventado, segurar uma guitarra na frente dos fãs e se esgoelar até cair morto está perdendo a graça.
As bandas barulhentas vêem o público rarear e lutam contra a escassez criativa. Até o Pavement, atual número um das rádios independentes americanas, nada faz além de autoplagiar músicas de quatro anos atrás.
As meninas iradas do L7 lançam um novo disco, que balança, contagia... mas poderia ter saído em 1993.
David Bowie se mostra perdido no espaço, U2 rasteja atrás da onda trip-hop.
As bandas de "vanguarda", depois de verem a fórmula do rock "alternativo" se esgotar, acabaram afundadas no formato experimental. Há coisas interessantes, como o Labradford e o Harry Pussy, mas que claramente não apontam para lugar algum, exceto uma radicalização cada vez maior da barulheira desconexa.
O terreno pop está portanto vago, pronto para ser ocupado pelos muitos nomes e nenhuma face da dance music.
Mas, ao contrário do que se possa avaliar do ponto de vista da cena independente inglesa, o domínio dance ainda está longe de ser total.
Perdidas entre Pantera e Tricky, há infinitas trilhas à espera de que alguém as descubra.
O britânico Prodigy, ex-tecno radical, está fazendo isso, ao mergulhar cada vez mais fundo no rock. Se não por convicção, pelo menos por constatar que o mercado americano ainda resiste ao dance "puro".
Resumo da ópera: o futuro é ou terá algum tipo de superposição com a forma dance, o ato de escutar música em casa foi condenado à morte (você ouviria um CD inteiro de drum and bass no sofá da sala?) e as guitarras estão virando peça de museu.
Talvez fosse melhor não viver para ver isso, mas aproxima-se o dia em que Beavis e Butt-Head vão deixar de ser cool.

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