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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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Para americanos, meter bala é coisa natural

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Uma vez eu lia uma entrevista com o ultra politicamente correto Krist Novoselic, baixista do Nirvana. Era sobre as dezenas de causas politicamente corretas que ele apóia, especificamente a de um grupo de artistas a favor do controle de porte de armas.
É que a posse de armamento para autodefesa é um direito constitucional nos EUA e representa uma obsessão dos americanos. Em alguns Estados, comprar um revólver é tão ou mais fácil do que adquirir uma maionese no supermercado.
Num determinado momento, depois de Novoselic expor um monte de idéias "do bem", o repórter perguntou a ele: "E você, tem armas em casa?". O parceiro de Kurt Cobain ficou sem jeito, passou alguns segundos em silêncio, até responder: "Tenho".
Repórter: "Mas, como? Você não estava falando contra isso agora mesmo?".
Novoselic: "É que tem muito maluco solto por aí".
Lembrei dessa história só para ilustrar como a violência faz parte do cotidiano americano, mesmo para um milionário ingênuo e supostamente pacifista como o músico do Nirvana.
Não só a violência, mas a idéia de que há sempre "malucos soltos lá fora" -seja um "serial killer" que ataca nos subúrbios de Seattle, seja um ditador sanguinário do naipe de Saddam Hussein.
O modo de vida americano é calcado numa obediência estrita a regras. E na crença de que essas regras, por serem vigentes no melhor país do mundo (os EUA, na visão deles), são as melhores e devem ser seguidas por todos.
Certa vez, na Califórnia, presenciei uma cena esclarecedora. Parados no sinal, havia dois carros ao lado do meu. O da direita cometeu alguma infração pouco importante. Não chegou a passar no vermelho, porque americano não faz isso de jeito nenhum, mas foi algo como parar alguns centímetros em cima da faixa de pedestres.
Assim que deu luz verde, a mulher do carro da esquerda saiu em disparada atrás do infrator, para esculachá-lo pelo pequeno erro que ele tinha acabado de cometer.
Pensei comigo: nada mais americano do que isso. Não basta seguir as regras: é preciso fazer com que os outros as sigam também e, se não se comportarem direitinho, devem ser espinafrados da maneira mais imediata e grosseira possível.
É fácil imaginar George W. Bush como um lunático fundamentalista que, por uma série de acasos, virou líder da nação mais poderosa do mundo. Em parte, é verdade.
Mas muito mais assustador é constatar como ele NÃO é um ponto fora do gráfico. É perceber como Bush resume e representa o que de pior existe na alma americana, mesmo na de cidadãos bem-intencionados e "pacifistas" como o ingênuo Krist Novoselic.


Álvaro Pereira Júnior, 39, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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