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Para americanos, meter bala é coisa natural
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Uma vez eu lia uma entrevista com o ultra
politicamente correto Krist Novoselic, baixista do Nirvana. Era sobre as dezenas de causas politicamente corretas que ele apóia, especificamente a de um grupo de artistas a favor
do controle de porte de armas.
É que a posse de armamento para autodefesa é um direito constitucional nos EUA e representa uma obsessão dos americanos. Em
alguns Estados, comprar um revólver é tão ou
mais fácil do que adquirir uma maionese no
supermercado.
Num determinado
momento, depois de
Novoselic expor um
monte de idéias "do
bem", o repórter
perguntou a ele: "E
você, tem armas em
casa?". O parceiro de
Kurt Cobain ficou
sem jeito, passou alguns segundos em silêncio, até responder:
"Tenho".
Repórter: "Mas, como? Você não estava falando contra isso agora mesmo?".
Novoselic: "É que tem muito maluco solto
por aí".
Lembrei dessa história só para ilustrar como a violência faz parte do cotidiano americano, mesmo para um milionário ingênuo e
supostamente pacifista como o músico do
Nirvana.
Não só a violência, mas a idéia de que há
sempre "malucos soltos lá fora" -seja um
"serial killer" que ataca nos subúrbios de Seattle, seja um ditador sanguinário do naipe de
Saddam Hussein.
O modo de vida americano é calcado numa
obediência estrita a regras. E na crença de que
essas regras, por serem vigentes no melhor
país do mundo (os EUA, na visão deles), são
as melhores e devem ser seguidas por todos.
Certa vez, na Califórnia, presenciei uma cena esclarecedora. Parados no sinal, havia dois
carros ao lado do meu. O da direita cometeu
alguma infração pouco importante. Não chegou a passar no vermelho, porque americano
não faz isso de jeito nenhum, mas foi algo como parar alguns centímetros em cima da faixa de pedestres.
Assim que deu luz verde, a mulher do carro
da esquerda saiu em disparada atrás do infrator, para esculachá-lo pelo pequeno erro que
ele tinha acabado de cometer.
Pensei comigo: nada mais americano do
que isso. Não basta seguir as regras: é preciso
fazer com que os outros as sigam também e,
se não se comportarem direitinho, devem ser
espinafrados da maneira mais imediata e
grosseira possível.
É fácil imaginar George W. Bush como um
lunático fundamentalista que, por uma série
de acasos, virou líder da nação mais poderosa
do mundo. Em parte, é verdade.
Mas muito mais assustador é constatar como ele NÃO é um ponto fora do gráfico. É
perceber como Bush resume e representa o
que de pior existe na alma americana, mesmo
na de cidadãos bem-intencionados e "pacifistas" como o ingênuo Krist Novoselic.
Álvaro Pereira Júnior, 39, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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