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Meninos de rua foram retratados pelo escritor há mais de 70 anos
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Meninos pobres, delinqüentes e sem carinho que
vivem pelas ruas e favelas
das metrópoles do Brasil
se tornaram moda no cinema, na TV e na música pop
dos dias de hoje. De um
modo geral, os escritores,
rappers ou cineastas por
trás dessa onda costumam
se justificar dizendo que é
preciso mostrar "a realidade" do país.
Mas não pense que isso é
novidade. Há pouco mais
de 70 anos, no romance
"Capitães da Areia"
(1937), Jorge Amado já tocava nesse delicado assunto. Mas a motivação do escritor baiano, além de ser
a de expor as feridas do
Brasil, era oferecer uma
solução. O autor acreditava no comunismo, num
tempo em que essa ideologia não estava tão desacreditada.
O livro conta a história
de um bando de garotos de
Salvador que não têm família, casa, dinheiro, emprego nem perspectivas.
Vivem num trapiche (espécie de armazém) abandonado no Cais da Bahia e,
para sobreviver, cometem
crimes de diferentes níveis de gravidade.
Cada um a seu modo
possui seu encanto e sua
esperteza peculiar. Sem-Pernas é um
moleque
manco que
usa a deficiência para
conquistar o
afeto de gente rica para
depois roubá-la; Volta
Seca é obcecado com a
idéia de entrar no cangaço; João José, o Professor, vive metido em livros. Há ainda o
super-religioso Pirulito e
o sedutor Gato, que conquista uma prostituta.
O líder do bando é Pedro
Bala, que, no final, encontra sua razão de existir virando um revolucionário
socialista.
A cidade tem medo da
violência que provocam.
Por outro lado, eles se sentem sozinhos diante do
abandono, da incompreensão, da doença. As
aventuras dos Capitães da
Areia acontecem nesse
contexto, de dois mundos
difíceis de conciliar.
Na época, o livro foi tomado como um confronto
à sociedade e à igreja.
Proibido, teve exemplares
queimados em praça pública em Salvador.
Lido com os olhos dos
nossos dias, essa saga adolescente traz algumas
questões sobre as quais
vale a pena refletirmos.
Primeiro: é certo que
ainda existam meninos de
rua abandonados nas
grandes cidades do Brasil,
como a Salvador dos anos
30 e a São Paulo de hoje?
Ao mesmo tempo, relatar de modo quase heróico
como o crime vira meio de
sobrevivência desses meninos, do modo como faz
Amado, não acaba estimulando mais a violência?
Para além
das questões
políticas, "Capitães da
Areia" é também uma bela
narrativa de
ação, suspense
e emoção. Se
você ainda não
leu nada de
Amado, é um
bom começo.
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