São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

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Meninos de rua foram retratados pelo escritor há mais de 70 anos

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Meninos pobres, delinqüentes e sem carinho que vivem pelas ruas e favelas das metrópoles do Brasil se tornaram moda no cinema, na TV e na música pop dos dias de hoje. De um modo geral, os escritores, rappers ou cineastas por trás dessa onda costumam se justificar dizendo que é preciso mostrar "a realidade" do país.
Mas não pense que isso é novidade. Há pouco mais de 70 anos, no romance "Capitães da Areia" (1937), Jorge Amado já tocava nesse delicado assunto. Mas a motivação do escritor baiano, além de ser a de expor as feridas do Brasil, era oferecer uma solução. O autor acreditava no comunismo, num tempo em que essa ideologia não estava tão desacreditada.
O livro conta a história de um bando de garotos de Salvador que não têm família, casa, dinheiro, emprego nem perspectivas. Vivem num trapiche (espécie de armazém) abandonado no Cais da Bahia e, para sobreviver, cometem crimes de diferentes níveis de gravidade.
Cada um a seu modo possui seu encanto e sua esperteza peculiar. Sem-Pernas é um moleque manco que usa a deficiência para conquistar o afeto de gente rica para depois roubá-la; Volta Seca é obcecado com a idéia de entrar no cangaço; João José, o Professor, vive metido em livros. Há ainda o super-religioso Pirulito e o sedutor Gato, que conquista uma prostituta.
O líder do bando é Pedro Bala, que, no final, encontra sua razão de existir virando um revolucionário socialista.
A cidade tem medo da violência que provocam. Por outro lado, eles se sentem sozinhos diante do abandono, da incompreensão, da doença. As aventuras dos Capitães da Areia acontecem nesse contexto, de dois mundos difíceis de conciliar.
Na época, o livro foi tomado como um confronto à sociedade e à igreja. Proibido, teve exemplares queimados em praça pública em Salvador.
Lido com os olhos dos nossos dias, essa saga adolescente traz algumas questões sobre as quais vale a pena refletirmos.
Primeiro: é certo que ainda existam meninos de rua abandonados nas grandes cidades do Brasil, como a Salvador dos anos 30 e a São Paulo de hoje?
Ao mesmo tempo, relatar de modo quase heróico como o crime vira meio de sobrevivência desses meninos, do modo como faz Amado, não acaba estimulando mais a violência?
Para além das questões políticas, "Capitães da Areia" é também uma bela narrativa de ação, suspense e emoção. Se você ainda não leu nada de Amado, é um bom começo.


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