São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2004

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Universidades gringas fazem a festa da nota 10

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Volte seu pensamento para o campus da Universidade Princeton, em Nova Jersey, uma das mais prestigiadas do mundo.
Em um lugar desses, onde Albert Einstein foi professor, o rigor acadêmico deve ser total, não é? Dá até para imaginar os alunos se matando de estudar, noites e noites em claro para conseguir passar raspando de ano. Em uma universidade de tamanho prestígio, uma nota 10 deve ser raridade, não é mesmo?
Olhe, lamento informar, mas não é nada disso. Sabe qual é a média de notas A-, A e A+ (mais ou menos equivalentes a 9, 9,5 e 10) distribuídas em Princeton? Nada menos do que 47%! Ou seja, de cada 100 provas ou trabalhos entregues na universidade, 47 tiram pelo menos nota 9! Agora, em um esforço moralizador, a reitoria de Princeton baixou uma medida para que A-, A e A+ não ultrapassem 35% do total...
Achei esses dados tão interessantes que peço sua licença para esquecer um pouco a música -o assunto principal desta coluna- e falar sobre eles em "Escuta Aqui".
Princeton faz parte do time de elite das universidades dos EUA -ao lado de Harvard, Yale, Stanford, Cornell e muito poucas outras. Em todas, segundo estudos recentes, o festival de notas máximas é parecido. Essa moleza toda é tão conhecida nos círculos americanos mais intelectualizados que, outro dia, o jornalista Howell Raines -chefão recém-demitido do jornal "The New York Times"- escreveu um artigo dizendo que o "NYT" era como Harvard: difícil de entrar, mas, uma vez lá dentro, fica quase impossível levar bomba.
Em um primeiro olhar, pode parecer que as principais universidades dos EUA são totalmente zoneadas, não exigem nada de ninguém e se mantêm vivas à custa de glórias passadas.
Pode até ser verdade, mas me parece que a questão é um pouco mais delicada. Acontece que a graduação das universidades gringas busca uma formação muito mais genérica e humanística do jovem estudante. Não cobra decisões cruciais de uma meninada de 17 ou 18 anos. Dá tempo para que o aluno amadureça e possa escolher com muito mais calma o que pretende fazer da vida. Nesse sentido, as notas não são tão importantes. Mesmo a presença em aulas é pouco cobrada. Valoriza-se, isso sim, o quanto o aluno aprende a se virar, a estudar sozinho, a explorar por si mesmo os caminhos do saber.
Na visão predominante nos EUA, um simples curso de graduação vale cada vez menos. O investimento pesado está na pós, com rios de dinheiro para os cientistas e infinitas escolhas de linhas de pesquisa.
Aqui no Brasil, pelo menos nas poucas universidades boas que temos, a coisa muda de figura. Primeiro, existe a competição desumana do vestibular, em que um monte de gente inteligente joga a sorte em uns poucos dias de provas. Depois, nas faculdades mais sérias, o aluno se mata de estudar, tira um monte de zeros, fica estressado, chora, enlouquece. Aí, com 21 ou 22 anos, é despejado no mundo, totalmente cru para a vida. A partir daí, que se vire no mercado de trabalho, ou então se prepare para uma vida de miserê se voltar à universidade para a pós-graduação (uma bolsa de doutorado paga pouco mais de R$ 1.000 mensais).
Quer dizer, até que o festival de notas 10 dos gringos não é tão mau assim.


Álvaro Pereira Júnior, 41, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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