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Universidades gringas fazem a festa da nota 10
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Volte seu pensamento para o campus da Universidade Princeton,
em Nova Jersey, uma das mais prestigiadas do mundo.
Em um lugar desses, onde Albert
Einstein foi professor, o rigor acadêmico deve ser total, não é? Dá até para imaginar os alunos se matando de
estudar, noites e noites em claro para
conseguir passar raspando de ano.
Em uma universidade de tamanho
prestígio, uma nota 10 deve ser raridade, não é mesmo?
Olhe, lamento informar, mas não é
nada disso. Sabe qual é a média de
notas A-, A e A+ (mais ou menos
equivalentes a 9, 9,5 e 10) distribuídas
em Princeton? Nada menos do que
47%! Ou seja, de cada 100 provas ou
trabalhos entregues na universidade,
47 tiram pelo menos nota 9! Agora,
em um esforço moralizador, a reitoria de Princeton baixou uma medida
para que A-, A e A+ não ultrapassem
35% do total...
Achei esses dados tão interessantes
que peço sua licença para esquecer
um pouco a música -o assunto
principal desta coluna- e falar sobre eles em
"Escuta Aqui".
Princeton faz parte do time de elite das universidades dos EUA -ao lado de Harvard,
Yale, Stanford, Cornell e muito poucas outras.
Em todas, segundo estudos recentes, o festival
de notas máximas é parecido. Essa moleza toda é tão conhecida nos círculos americanos
mais intelectualizados que, outro dia, o jornalista Howell Raines -chefão recém-demitido
do jornal "The New York Times"- escreveu
um artigo dizendo que o "NYT" era como
Harvard: difícil de entrar, mas, uma vez lá
dentro, fica quase impossível levar bomba.
Em um primeiro olhar, pode parecer que as
principais universidades dos EUA são totalmente zoneadas, não exigem nada de ninguém e se mantêm vivas à custa de glórias
passadas.
Pode até ser verdade, mas me parece que a
questão é um pouco mais delicada. Acontece
que a graduação das universidades gringas
busca uma formação muito mais genérica e
humanística do jovem estudante. Não cobra
decisões cruciais de uma meninada de 17 ou 18 anos. Dá tempo para que o aluno amadureça e possa
escolher com muito mais calma o
que pretende fazer da vida. Nesse
sentido, as notas não são tão importantes. Mesmo a presença em
aulas é pouco cobrada. Valoriza-se, isso sim, o quanto o aluno
aprende a se virar, a estudar sozinho, a explorar por si mesmo os
caminhos do saber.
Na visão predominante nos
EUA, um simples curso de graduação vale cada vez menos. O investimento pesado está na pós,
com rios de dinheiro para os cientistas e infinitas escolhas de linhas
de pesquisa.
Aqui no Brasil, pelo menos nas
poucas universidades boas que
temos, a coisa muda de figura.
Primeiro, existe a competição desumana do vestibular, em que um
monte de gente inteligente joga a
sorte em uns poucos dias de provas. Depois, nas faculdades mais
sérias, o aluno se mata de estudar,
tira um monte de zeros, fica estressado, chora,
enlouquece. Aí, com 21 ou 22 anos, é despejado no mundo, totalmente cru para a vida. A
partir daí, que se vire no mercado de trabalho,
ou então se prepare para uma vida de miserê
se voltar à universidade para a pós-graduação
(uma bolsa de doutorado paga pouco mais de
R$ 1.000 mensais).
Quer dizer, até que o
festival de notas 10 dos
gringos não é tão mau
assim.
Álvaro Pereira Júnior, 41, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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