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O talento da brasileira que soa como Liz Phair e a bela volta do Capital
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
Uma mulher toca guitarra com
mão pesada na noite de domingo
para segunda-feira. O som vem da
TV, e a primeira impressão é que
se trata de um clipe novo da americana Liz Phair, a mais roqueira
dessas meninas nervosas que se
apresentam sozinhas no palco.
Mas Liz Phair não fala português
e, mesmo que falasse, dificilmente
escolheria para seu repertório
aquela canção melosa da dupla
Evaldo Gouveia e Jair Amorim
(autores de boleros para Nelson
Gonçalves e precursores do samba-enredo brega, com "O Mundo
Melhor de Pixinguinha", tema da
Portela em 1974).
Conclusão óbvia: é uma brasileira que empunha aquela guitarra na
TV. Ela canta como uma ninfa.
Tem voz poderosa, grave, de timbre noturno.
Quem será? É preciso esperar,
porque os caracteres na tela só informam os títulos das músicas,
não o nome da cantora.
O repertório dela... bem, é de lascar. Depois da pérola da dupla
Gouveia-Amorim, a cantora anuncia uma composição própria que
entoa acompanhada de um pandeiro.
As falas entre as músicas também não avançam um milímetro
além do papo riponga que tanto
sucesso faz entre nossos astros da
MPB. Cabecismo raso, mensagens
meio místicas... o de sempre.
Mas nem repertório fraco e frases cretinas tiram o brilho de uma
artista tão obviamente talentosa.
Com a provável exceção de Andreas Kisser, do Sepultura, nenhum homem toca guitarra com
tanta violência no Brasil. E é bom
lembrar: nossa cantora misteriosa
não apresentava, na TV, nenhum
cover do demolidor Rob Zombie
nem tinha por trás uma banda com
outras três guitarras e dois bateristas.
Era só ela, sozinha no palco, desperdiçando voz e talento musical
num desfile de canções sem importância.
Acabou o show. O apresentador
diz finalmente o nome da moça:
Ana Carolina. Ela explica que é de
Juiz de Fora (MG) e acha legal ter
conseguido fazer algum sucesso
sem sair de lá.
Provavelmente Ana Carolina
nunca ouviu falar em Liz Phair.
Deve perder tempo escutando
"clássicos" da MPB (a cultura pop
brasileira é a mais respeitosa do
universo; limita-se a repetir o passado e bajular totens estabelecidos), além de sofrer a influência
desse exército de desfibrados sem
sexo que faz a tal "nova Música Popular Brasileira" (Lenine, Zeca Baleiro, Paulinho Moska etc.).
Se Ana Carolina ouvisse os dois
primeiros álbuns da inglesa PJ
Harvey ("Rid of Me" e "Dry"),
além de "Exile in Guyville", de Liz
Phair, talvez entendesse que existe
vida lá fora, e é muito mais interessante do que ela pode imaginar.
O mesmo show que teve Ana Carolina trouxe mais uma boa surpresa:
o Capital Inicial de volta, soando
melhor e mais jovem do que nunca.
Dinho Ouro Preto faz agora um
tipo bacana, híbrido de Jim Morrison e Jon Spencer.
O público adolescente vibrou
com duas ótimas canções do disco
novo, "1999" e "O Mundo", atingindo um estágio raro no rock brasileiro: som alegre sem ser engraçadinho; simples sem ser mal tocado.
Longa vida ao Capital.
Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do
"Fantástico" em São Paulo.
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