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Free way
Apesar de vocês
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
É comum ouvir, entre jovens,
lamúrias sobre a maldade de seus
pais. Pai que não deixa passar o
fim-de-semana com o namorado,
não deixa sair, força a estudar,
corta a mesada, bate nos filhos
etc. É verdade que há pais que infernizam a vida dos filhos, mas
também é verdade que a maioria
dos filhos não entende os pais.
Parte do processo de amadurecimento de uma pessoa envolve
entender seus pais como pessoas
e distanciar-se da imagem de super-herói formada na infância.
Pais são pessoas normais e têm as
suas neuroses, os seus problemas
e angústias, que limitam sua capacidade de ser o que o filho deseja que eles sejam. Que é uma infelicidade ter pais que não o amam
o suficiente -porque, no fim, tudo se resume à falta de amor-
ninguém duvida, mas mais triste
ainda é deixar essa frustração virar causa de desamparo e letargia.
Talvez seja um resquício de um
século freudiano a idéia de que os
filhos são tão determinados pelos
pais e que, contra a experiência de
pais abusivos, só resta chorar e
esperar por uma próxima geração.
Exemplos provando o contrário
não faltam. Falemos de três rapazes. O primeiro era tão humilhado e massacrado em público por
seu pai que fugiu de casa com um
companheiro. O pai ordenou a
captura de ambos e fez questão de
que o filho presenciasse o decepamento do companheiro em praça
pública. O segundo tinha uma
mãe que reclamava publicamente
de seu casamento e da infelicidade que este trouxera e um pai que
o espancava quase diariamente
para que o garoto tocasse seu piano e que frequentemente voltava
pra casa bêbado, acordava o filho
infante e o forçava a tocar até o
raiar do dia. O terceiro nasceu
num dia de Natal, sem pai -já
morto. Sua mãe se casou de novo,
e o padrasto o mandou à avó para
que o criasse, e assim o garoto
passou a infância e a juventude
inteira vendo na casa vizinha sua
mãe, que não se importava com
ele, repartir com um estranho o
leito que fora de seu pai.
O primeiro é Frederico, o Grande, um dos mais virtuosos monarcas que a Europa já viu; o segundo é Beethoven, e o terceiro é
Newton. São apenas três exemplos de uma lista extensa de gente
que, apesar das mazelas a que a
vida a submeteu, decidiu gastar
seu tempo perseguindo o avanço,
em vez de remoer e chorar o passado.
É coisa que qualquer um pode
fazer. Os filhos não são propriedade dos pais e só lhes devem
aquilo que deles é tipicamente esperado -obediência, respeito
etc.- à medida que os pais também dão aquilo que é esperado
deles -muito amor, compreensão e segurança. Quando os pais
são umas bestas, não se pode esperar dos filhos que os tratem como seres humanos. Seria perda
de tempo.
Todo filho que passa anos a fio
sendo pisoteado por seus pais
sem reagir está dando, com seu
silêncio e resignação, autorização
implícita para que os carrascos
continuem a tratá-lo como vítima. Chega-se a um ponto no desenvolvimento de uma pessoa,
quando as sinapses já estão funcionando direitinho, em que se
torna impossível não saber que
há algo de errado com seus pais e
que algo precisa mudar.
E quem tem o poder para mudar são os filhos, pois nós é que
somos a continuação da espécie
de nossos pais e, portanto, receptores de amor incondicional -e
não o contrário. Quando é impossível conversar com seus pais, rebata a violência com violência:
greves de silêncio, falta de presente nos aniversários e demais manifestações de raiva. Se nada funcionar, talvez seja a hora de pensar em ir embora. Qualquer pai
sadio vai fazer o que for possível
pra evitar que seu filho saia de casa, que se arrisque dessa forma. E,
caso seus pais façam parte da minoria que não se importa, aí, sim,
é que está na hora de fugir. Pra
bem longe.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA,
e-mail: desembucha@cyberdude.com
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