São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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DEPOIS DA RESSACA

Raimundos lançam disco de canções inéditas no dia 1º

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ano depois de serem abandonados na porta da igreja, os Raimundos exorcizam seus demônios e lançam um disco de canções inéditas -o primeiro sem o ex-integrante Rodolfo- que chega às lojas no próximo dia 1º.
"Kavookavala" é a redenção de Canisso, 36, Fred, 29, e Digão, 31. É porrada do começo ao fim -como era de esperar- revitalizada pela chegada de um novo guitarrista e pela gana da banda de mostrar a que veio 14 anos depois dos primeiros passos.
A novidade mais evidente é a performance precisa de Digão nos vocais e na composição das letras, agora sem o exagero no besteirol e na sacanagem.
Em entrevista ao Folhateen, Digão e Canisso soltaram algumas farpas, contaram que já bufaram de raiva e explicaram que, depois do que amargaram, o céu dos Raimundos ficou maior.

Folha - Como a saída de Rodolfo afetou o restante da banda?
Canisso -
A notícia pegou a gente de tal forma que cada teve uma reação. E, naquela hora, selamos o caixão dos Raimundos. O Fred quis sair também. O Digão ficou atônito e foi embora...
Digão - O que você queria que eu fizesse? O cara falou que estava ralando da banda. Eu é que não iria pedir que ele ficasse. Eu sou homem, velho. Sempre fomos uma banda unida, estávamos trabalhando para caramba, estávamos cansados. Ele deveria ter parado e pensado um pouco. O cara passou o dia falando sobre o futuro da banda para a imprensa e depois disse "tô fora"! Pelo amor de Deus! Tem de ser homem pelo menos uma vez na vida e assumir os compromissos!

Folha - Não havia nenhum sinal de que isso estava para acontecer?
Canisso -
A gente estava em final de turnê. Estávamos cansados demais, no osso mesmo. Acho que foi uma decisão tomada de cabeça quente. Ali, naquela hora, a banda acabou.
Digão - Os Raimundos só existiram porque éramos quatro, em igualdade. Não existia uma alma mais forte. De repente, o cara vem e dá uma dessa, sem aviso prévio! Eu não culpo a reação de ninguém. Aquilo foi uma loucura.

Folha - O que rolou depois, então?
Canisso -
Marcamos uma reunião para acertar as contas e os compromissos. O final da banda foi sacramentado e a ficha foi começando a cair. Mas nem gosto de falar muito sobre isso porque é uma página virada da nossa história.

Folha - O que motivou vocês três a se reunirem de novo?
Digão -
Estava em um evento em Brasília com o Bi Ribeiro (Paralamas do Sucesso) e montamos uma banda na hora meio na brincadeira. Cantei, toquei e, quando senti aquela vibração de novo e vi a galera pulando, descobri que poderia fazer aquilo nos Raimundos. Liguei para o Fred e disse: cara, vamos nessa!
Canisso - Nossa homepage sempre foi um termômetro, e os caras estavam revoltados, chamando o Rodolfo de sujo, de "traíra". Eles pediam que o Digão assumisse o vocal. Mas na época estava rolando um bode. Lavamos a maior roupa suja. Eu estava tão puto que nem atendia o telefone. O Fred, então, não conseguia nem ver. Fui para Brasília, nós nos encontramos e fizemos as pazes. Desde a primeira fita demo dos Raimundos, o Digão fazia os vocais. Eu disse que ele seguraria a peteca. O Digão é o homem-festa. Mais do que qualquer outro, sem desmerecer o Rodolfo, o Digão é o showman.

Folha - Como foi assumir os vocais?
Digão -
Para mim, era muito mais fácil ficar tocando guitarra e arranjar um vocalista qualquer aí, bonitinho e saradinho. As meninas iriam adorar, sacou? Mas ninguém é insubstituível. Viramos o jogo, e mudei para os vocais.

Folha - Foi difícil voltar à ativa?
Canisso -
Estava sendo lançada uma compilação de raridades e faixas ao vivo de um show com os Ramones. Decidimos pegar algumas faixas desse CD e fazer uma turnê. Para sacramentar nossa volta, pegamos "Sanidade", música cantada pelo Digão na nossa primeira fita demo , e gravamos. Não foi fácil. Fizemos shows bons, outros nem tanto. Shows cheios, outros nem tanto. Foi como começar do zero. Houve muita mídia para a saída do Rodolfo e para o fim dos Raimundos. Saiu uma crítica na "Veja" que dizia que o Rodolfo era o herói que havia acabado com uma das bandas mais desagradáveis de todos os tempos. Desagradável? Para quem, velho? Quem estava feliz com o nosso fim? Sempre vimos, nos shows, muita gente curtindo, feliz. Aí pensei que valia a pena voltar só para incomodar certas pessoas.

Folha - Por que optaram por trazer um novo integrante para a banda?
Canisso -
Algumas músicas, mais complicadas, precisavam de um músico de apoio. Aí um amigo nos indicou o Marquinhos, que era do Peter Perfeito e tinha estudado direito comigo. E o cara chegou para tomar seu lugar mesmo, tipo Ricardinho, sabe? A camisa era dele.
Digão - Fizemos um show no Canecão e foi nossa redenção. Exorcizamos tudo.

Folha - Como ficou a composição das músicas do CD?
Canisso -
Quando começamos a fazer o CD, sabíamos que tínhamos um leão para matar. Esse disco poderia redimir a gente ou colocar o último prego no nosso caixão. Então ficamos muito exigentes. Nada era bom o suficiente. O nosso melhor não era bom o suficiente. Músicas ficaram de fora porque não eram boas o suficiente. Antigamente era um sufoco gravar porque faltava música. Nesse disco até sobrou. Não vou puxar a brasa para a minha sardinha, mas acho que é o melhor disco que já fiz na vida. Os Raimundos nunca estiveram tão envolvidos com todas as etapas do processo. Disse para o Digão que tinha certeza de que ainda iríamos agradecer ao Rodolfo pela sacudida que ele nos deu. Estávamos muito acomodados mesmo. A gente agora está encontrando a felicidade. A dificuldade empurrou a gente para cima.

Folha - E as letras?
Digão -
Letra é uma coisa muito particular de quem canta. E foi um pouco difícil assumir essa parte. Eu sempre fui aluno do fundão quando o assunto era letra. Mas retomei aquela viagem de brincar e fazer letras. Achei isso bom.
Canisso - Por um momento ficamos meio perdidos. Mas descobrimos que cada um de nós poderia jogar em outras posições. E o Digão descobriu que poderia fazer letras muito boas.

Folha - Como foi a gravação das músicas?
Canisso -
Rolou um clima de amargura. Foi um parto até a metade do processo. Depois virou um paraíso. Não sabíamos para onde direcionar a raiva e o ressentimento que sentíamos. Brigamos muito. E nossa terapia foi tocar. Agora estamos nos sentindo superbem.
Digão - Não queríamos fazer um disco amargo. Queríamos tirar isso do coração. E conseguimos. Demos um sangue novo à banda, algo do tipo "sigo o meu caminho e não corro só".

Folha - Mudou algo no som da banda?
Canisso -
Fizemos o máximo para ficar Raimundos. Enquanto todo mundo está na onda do new metal, fizemos o nosso caminho. Nunca copiamos ninguém. Inventamos as nossas próprias paradas. É um renascimento.

Folha - Houve também uma retomada no forrocore, não?
Digão -
Todos os discos sempre tiveram um pouco, mas caprichamos. Que nem restaurante que coloca mais sal na comida para o cara beber mais, sacou? (risos) E não colocamos palavrão de graça. Só para quem merece.

Folha - Vocês também deixaram de lado as letras sacanas. Por quê?
Canisso -
Foi amadurecimento mesmo. Aquilo já tinha nos cansado. Até foi uma discussão de estúdio. O Miranda (produtor do disco) disse que estava faltando sacanagem. Mas não dá para forçar uma coisa dessas. O interessante para nós era encontrar uma nova fórmula de agradar, sem recorrer a fórmulas já consagradas.
Digão - Hoje, não vivemos mais aquela putaria. Sempre fizemos música séria, com mensagem, mas ninguém nunca olhou para esse lado.

Folha - O Rodolfo alegou ao sair que estava cansado de cantar as mesmas músicas. Vocês também estão?
Canisso -
Olha, vou falar a verdade, eu odeio "A Mais Pedida". "Mulher de Fases", então, argh! Tem uma hora em que isso satura mesmo. Somos uma banda punk, que gosta de metralhadora giratória, e, de repente, ficamos conhecidos como a banda do "papel para cagar". Entendo o que o Rodolfo quis dizer.

Folha - Como explicariam esse CD na trajetória dos Raimundos?
Canisso -
É a redenção mesmo. É a consagração de que os Raimundos são algo que não deve acabar. A banda ultrapassou seus componentes. É uma idéia.
Digão - O CD é uma maneira de mostrar respeito pelos fãs. E temos de respeitá-los porque foram eles que nos colocaram aqui. Não tem essa de não quero mais brincar.

Folha - Vocês ouviram o CD do Rodolfo?
Canisso -
Parece mentira, mas eu não ouvi. O pessoal do estúdio não deixou a gente ouvi-lo.
Digão - Eu escutei nas rádios. E vi as letras em um site. Se você pegar todas as letras e juntar em uma só, não faz diferença porque elas têm a mesma temática. Acho estranho. Um disco um pouco apressado. Sei lá, velho, sei que o cara tem um puta potencial e eu esperava mais dele.


Para ouvir um trecho da música "Fique! Fique!" com os Raimundos, ligue para: 0/xx/11/3471-4000 e escolha a opção Música-Lançamento. Custo: só o da ligação.


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