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DEPOIS DA RESSACA
Raimundos lançam disco de canções inéditas no dia 1º
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um ano depois de serem abandonados
na porta da igreja, os Raimundos
exorcizam seus demônios e lançam um
disco de canções inéditas -o primeiro
sem o ex-integrante Rodolfo- que chega às lojas no próximo dia 1º.
"Kavookavala" é a redenção de Canisso, 36, Fred, 29, e Digão, 31. É porrada do
começo ao fim -como era de esperar-
revitalizada pela chegada de um novo
guitarrista e pela gana da banda de mostrar a que veio 14 anos depois dos primeiros passos.
A novidade mais evidente é a performance precisa de Digão nos vocais e na
composição das letras, agora sem o exagero no besteirol e na sacanagem.
Em entrevista ao Folhateen, Digão e
Canisso soltaram algumas farpas, contaram que já bufaram de raiva e explicaram que, depois do que amargaram, o
céu dos Raimundos ficou maior.
Folha - Como a saída de Rodolfo afetou o
restante da banda?
Canisso - A notícia pegou a gente de tal
forma que cada teve uma reação. E, naquela hora, selamos o caixão dos Raimundos. O Fred quis sair também. O Digão ficou atônito e foi embora...
Digão - O que você queria que eu fizesse? O cara falou que estava ralando da
banda. Eu é que não iria pedir que ele ficasse. Eu sou homem, velho. Sempre fomos uma banda unida, estávamos trabalhando para caramba, estávamos cansados. Ele deveria ter parado e pensado um
pouco. O cara passou o dia falando sobre
o futuro da banda para a imprensa e depois disse "tô fora"! Pelo amor de Deus!
Tem de ser homem pelo menos uma vez
na vida e assumir os compromissos!
Folha - Não havia nenhum sinal de que isso estava para acontecer?
Canisso - A gente estava em final de turnê. Estávamos cansados demais, no osso
mesmo. Acho que foi uma decisão tomada de cabeça quente. Ali, naquela hora, a
banda acabou.
Digão - Os Raimundos só existiram
porque éramos quatro, em igualdade.
Não existia uma alma mais forte. De repente, o cara vem e dá uma dessa, sem
aviso prévio! Eu não culpo a reação de
ninguém. Aquilo foi uma loucura.
Folha - O que rolou depois, então?
Canisso - Marcamos uma reunião para
acertar as contas e os compromissos. O
final da banda foi sacramentado e a ficha
foi começando a cair. Mas nem gosto de
falar muito sobre isso porque é uma página virada da nossa história.
Folha - O que motivou vocês três a se reunirem de novo?
Digão - Estava em um evento em Brasília com o Bi Ribeiro (Paralamas do Sucesso) e montamos uma banda na hora
meio na brincadeira. Cantei, toquei e,
quando senti aquela vibração de novo e
vi a galera pulando, descobri que poderia
fazer aquilo nos Raimundos. Liguei para
o Fred e disse: cara, vamos nessa!
Canisso - Nossa homepage sempre foi
um termômetro, e os caras estavam revoltados, chamando o Rodolfo de sujo,
de "traíra". Eles pediam que o Digão assumisse o vocal. Mas na época estava rolando um bode. Lavamos a maior roupa
suja. Eu estava tão puto que nem atendia
o telefone. O Fred, então, não conseguia
nem ver. Fui para Brasília, nós nos encontramos e fizemos as pazes. Desde a
primeira fita demo dos Raimundos, o Digão fazia os vocais. Eu disse que ele seguraria a peteca. O Digão é o homem-festa.
Mais do que qualquer outro, sem desmerecer o Rodolfo, o Digão é o showman.
Folha - Como foi assumir os vocais?
Digão - Para mim, era muito mais fácil
ficar tocando guitarra e arranjar um vocalista qualquer aí, bonitinho e saradinho. As meninas iriam adorar, sacou?
Mas ninguém é insubstituível. Viramos o
jogo, e mudei para os vocais.
Folha - Foi difícil voltar à ativa?
Canisso - Estava sendo lançada uma
compilação de raridades e faixas ao vivo
de um show com os Ramones. Decidimos pegar algumas faixas desse CD e fazer uma turnê. Para sacramentar nossa
volta, pegamos "Sanidade", música cantada pelo Digão na nossa primeira fita demo , e gravamos. Não foi fácil. Fizemos
shows bons, outros nem tanto. Shows
cheios, outros nem tanto. Foi como começar do zero. Houve muita mídia para a
saída do Rodolfo e para o fim dos Raimundos. Saiu uma crítica na "Veja" que
dizia que o Rodolfo era o herói que havia
acabado com uma das bandas mais desagradáveis de todos os tempos. Desagradável? Para quem, velho? Quem estava feliz com o nosso fim? Sempre vimos, nos
shows, muita gente curtindo, feliz. Aí
pensei que valia a pena voltar só para incomodar certas pessoas.
Folha - Por que optaram por trazer um
novo integrante para a banda?
Canisso - Algumas músicas, mais complicadas, precisavam de um músico de
apoio. Aí um amigo nos indicou o Marquinhos, que era do Peter Perfeito e tinha
estudado direito comigo. E o cara chegou
para tomar seu lugar mesmo, tipo Ricardinho, sabe? A camisa era dele.
Digão - Fizemos um show no Canecão
e foi nossa redenção. Exorcizamos tudo.
Folha - Como ficou a composição das músicas do CD?
Canisso - Quando começamos a fazer o
CD, sabíamos que tínhamos um leão para matar. Esse disco poderia redimir a
gente ou colocar o último prego no nosso
caixão. Então ficamos muito exigentes.
Nada era bom o suficiente. O nosso melhor não era bom o suficiente. Músicas ficaram de fora porque não eram boas o
suficiente. Antigamente era um sufoco
gravar porque faltava música. Nesse disco até sobrou. Não vou puxar a brasa para a minha sardinha, mas acho que é o
melhor disco que já fiz na vida. Os Raimundos nunca estiveram tão envolvidos
com todas as etapas do processo. Disse
para o Digão que tinha certeza de que
ainda iríamos agradecer ao Rodolfo pela
sacudida que ele nos deu. Estávamos
muito acomodados mesmo. A gente agora está encontrando a felicidade. A dificuldade empurrou a gente para cima.
Folha - E as letras?
Digão - Letra é uma coisa muito particular de quem canta. E foi um pouco difícil
assumir essa parte. Eu sempre fui aluno
do fundão quando o assunto era letra.
Mas retomei aquela viagem de brincar e
fazer letras. Achei isso bom.
Canisso - Por um momento ficamos
meio perdidos. Mas descobrimos que cada um de nós poderia jogar em outras
posições. E o Digão descobriu que poderia fazer letras muito boas.
Folha - Como foi a gravação das músicas?
Canisso -Rolou um clima de amargura.
Foi um parto até a metade do processo.
Depois virou um paraíso. Não sabíamos
para onde direcionar a raiva e o ressentimento que sentíamos. Brigamos muito. E
nossa terapia foi tocar. Agora estamos
nos sentindo superbem.
Digão - Não queríamos fazer um disco
amargo. Queríamos tirar isso do coração.
E conseguimos. Demos um sangue novo
à banda, algo do tipo "sigo o meu caminho e não corro só".
Folha - Mudou algo no som da banda?
Canisso - Fizemos o máximo para ficar
Raimundos. Enquanto todo mundo está
na onda do new metal, fizemos o nosso
caminho. Nunca copiamos ninguém. Inventamos as nossas próprias paradas. É
um renascimento.
Folha - Houve também uma retomada no
forrocore, não?
Digão - Todos os discos sempre tiveram
um pouco, mas caprichamos. Que nem
restaurante que coloca mais sal na comida para o cara beber mais, sacou? (risos)
E não colocamos palavrão de graça. Só
para quem merece.
Folha - Vocês também deixaram de lado
as letras sacanas. Por quê?
Canisso - Foi amadurecimento mesmo.
Aquilo já tinha nos cansado. Até foi uma
discussão de estúdio. O Miranda (produtor do disco) disse que estava faltando sacanagem. Mas não dá para forçar uma
coisa dessas. O interessante para nós era
encontrar uma nova fórmula de agradar,
sem recorrer a fórmulas já consagradas.
Digão - Hoje, não vivemos mais aquela
putaria. Sempre fizemos música séria,
com mensagem, mas ninguém nunca
olhou para esse lado.
Folha - O Rodolfo alegou ao sair que estava cansado de cantar as mesmas músicas.
Vocês também estão?
Canisso - Olha, vou falar a verdade, eu
odeio "A Mais Pedida". "Mulher de Fases", então, argh! Tem uma hora em que
isso satura mesmo. Somos uma banda
punk, que gosta de metralhadora giratória, e, de repente, ficamos conhecidos como a banda do "papel para cagar". Entendo o que o Rodolfo quis dizer.
Folha - Como explicariam esse CD na trajetória dos Raimundos?
Canisso - É a redenção mesmo. É a consagração de que os Raimundos são algo
que não deve acabar. A banda ultrapassou seus componentes. É uma idéia.
Digão - O CD é uma maneira de mostrar respeito pelos fãs. E temos de respeitá-los porque foram eles que nos colocaram aqui. Não tem essa de não quero
mais brincar.
Folha - Vocês ouviram o CD do Rodolfo?
Canisso - Parece mentira, mas eu não
ouvi. O pessoal do estúdio não deixou a
gente ouvi-lo.
Digão - Eu escutei nas rádios. E vi as letras em um site. Se você pegar todas as letras e juntar em uma só, não faz diferença
porque elas têm a mesma temática. Acho
estranho. Um disco um pouco apressado. Sei lá, velho, sei que o cara tem um
puta potencial e eu esperava mais dele.
Para ouvir um trecho da música "Fique! Fique!" com os Raimundos, ligue
para: 0/xx/11/3471-4000 e escolha a
opção Música-Lançamento. Custo: só
o da ligação.
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