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CINEMA
Quer entender melhor o regime militar no Brasil? Dois filmes nacionais ajudam a saber mais sobre o dia-a-dia daquela época
A ditadura na prática
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Dois filmes em cartaz fazem a ditadura militar (1964-1985) saltar dos livros de história e das questões do
vestibular direto para as telas, expondo medos, dúvidas, sentimentos, revoltas, discussões, ilusões, opiniões -e mudanças de
opinião- que fizeram parte do dia-a-dia
de muitos brasileiros naquela época.
"Quase Dois Irmãos", de Lúcia Murat, e
"Cabra Cega", de Toni Venturi, têm em comum alguns pontos positivos. Primeiro, o
fato de tratarem do período sem tomar posições muito apaixonadas ou maniqueístas
-ou seja, não apresentam os lados em
confronto como se fossem simplesmente
bandidos contra mocinhos. Segundo, a
tentativa de mostrar a história do ponto de
vista das pessoas que a viveram, e não a
partir de datas oficiais ou de decisões de governantes. Terceiro, por alertar que utopia
em excesso faz mal, desconecta as pessoas
da realidade e cria dificuldades para que se
relacionem com o resto da sociedade.
O filme de Lúcia Murat conta a história
de dois amigos que se conheceram na infância, nos anos 50, no Rio de Janeiro. Miguel é rico e branco; Jorge é negro e vive na
favela. Viraram companheiros porque os
seus pais curtiam samba. Mais de 20 anos
depois, os dois se reencontram, dessa vez
num ambiente bem mais hostil, o temido
presídio de Ilha Grande.
Miguel (Caco Ciocler) vai parar lá porque
virou um militante comunista, um "subversivo", como se dizia. Já Jorge (Flávio
Bauraqui) havia caído no mundo do crime,
e estava na cadeia como um criminoso "comum", também como se falava então.
A partir desse momento, Miguel e seus
amigos, também "subversivos", tentam
implementar um sistema socialista na prisão, ditando regras sobre como os detentos
deveriam conviver. Queriam impor decisões coletivas, democráticas, em que tudo
era votado, consensual e transparente. Já
Jorge e os outros presos "comuns" preferiam fazer valer um código mais realista, ou
seja, uma hierarquia baseada na força. O resultado, obviamente, é o confronto.
Já "Cabra Cega", de Toni Venturi, tem a
atenção centrada num conflito mais pessoal
e retrata o cotidiano da clandestinidade.
Acompanhamos a história de Tiago (Leonardo Medeiros), um guerrilheiro de esquerda ferido num combate com a polícia
que é obrigado a se refugiar na casa de um
rapaz rico, arquiteto, simpatizante dos revolucionários. O único contato de Tiago
com o mundo exterior é Rosa, personagem
inspirado em Maria Prestes -segunda mulher do líder comunista Luís Carlos Prestes
(1898-1990), uma militante escalada para
cuidar dele e com quem acabou casando.
Isolado, Tiago vai ficando paranóico, intransigente e autoritário e começa a ver o
mundo de maneira desfigurada. "Cabra Cega" retrata a violência com que os militantes
de esquerda foram perseguidos, torturados
e mortos pelo regime mas também como a
luta armada promovida pelos guerrilheiros
de esquerda não era uma solução menos
sangrenta e cruel.
Ao final, Venturi, ainda que de maneira
crítica, toma partido daqueles que tentaram, como diz o filme, atravessar às cegas a
escuridão imposta pela ditadura.
Ah, e não esqueça de prestar atenção na
trilha sonora de "Cabra Cega", já disponível
em CD. Tem "Roda Viva", "Construção",
"Rosa dos Ventos" (todas de Chico Buarque) e "Sinal Fechado" (Paulinho da Viola),
reinventados por Fernanda Porto. Só sons
bacanas e que podem servir de aperitivo pra
você conhecer mais do repertório da MPB
daquele período, talvez um dos mais ricos
da história da nossa música.
Abaixo, vai uma pequena lista que o Folhateen pediu para os dois diretores prepararem para vocês, com dicas de filmes que
eles consideram importantes para entender
melhor a ditadura aqui e na Argentina, país
vizinho que também viveu sob regime militar, mais ou menos na mesma época, entre 1976 e 1983.
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