São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2005

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CINEMA

Quer entender melhor o regime militar no Brasil? Dois filmes nacionais ajudam a saber mais sobre o dia-a-dia daquela época

A ditadura na prática

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Dois filmes em cartaz fazem a ditadura militar (1964-1985) saltar dos livros de história e das questões do vestibular direto para as telas, expondo medos, dúvidas, sentimentos, revoltas, discussões, ilusões, opiniões -e mudanças de opinião- que fizeram parte do dia-a-dia de muitos brasileiros naquela época.
"Quase Dois Irmãos", de Lúcia Murat, e "Cabra Cega", de Toni Venturi, têm em comum alguns pontos positivos. Primeiro, o fato de tratarem do período sem tomar posições muito apaixonadas ou maniqueístas -ou seja, não apresentam os lados em confronto como se fossem simplesmente bandidos contra mocinhos. Segundo, a tentativa de mostrar a história do ponto de vista das pessoas que a viveram, e não a partir de datas oficiais ou de decisões de governantes. Terceiro, por alertar que utopia em excesso faz mal, desconecta as pessoas da realidade e cria dificuldades para que se relacionem com o resto da sociedade.
O filme de Lúcia Murat conta a história de dois amigos que se conheceram na infância, nos anos 50, no Rio de Janeiro. Miguel é rico e branco; Jorge é negro e vive na favela. Viraram companheiros porque os seus pais curtiam samba. Mais de 20 anos depois, os dois se reencontram, dessa vez num ambiente bem mais hostil, o temido presídio de Ilha Grande.
Miguel (Caco Ciocler) vai parar lá porque virou um militante comunista, um "subversivo", como se dizia. Já Jorge (Flávio Bauraqui) havia caído no mundo do crime, e estava na cadeia como um criminoso "comum", também como se falava então.
A partir desse momento, Miguel e seus amigos, também "subversivos", tentam implementar um sistema socialista na prisão, ditando regras sobre como os detentos deveriam conviver. Queriam impor decisões coletivas, democráticas, em que tudo era votado, consensual e transparente. Já Jorge e os outros presos "comuns" preferiam fazer valer um código mais realista, ou seja, uma hierarquia baseada na força. O resultado, obviamente, é o confronto.
Já "Cabra Cega", de Toni Venturi, tem a atenção centrada num conflito mais pessoal e retrata o cotidiano da clandestinidade. Acompanhamos a história de Tiago (Leonardo Medeiros), um guerrilheiro de esquerda ferido num combate com a polícia que é obrigado a se refugiar na casa de um rapaz rico, arquiteto, simpatizante dos revolucionários. O único contato de Tiago com o mundo exterior é Rosa, personagem inspirado em Maria Prestes -segunda mulher do líder comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990), uma militante escalada para cuidar dele e com quem acabou casando.
Isolado, Tiago vai ficando paranóico, intransigente e autoritário e começa a ver o mundo de maneira desfigurada. "Cabra Cega" retrata a violência com que os militantes de esquerda foram perseguidos, torturados e mortos pelo regime mas também como a luta armada promovida pelos guerrilheiros de esquerda não era uma solução menos sangrenta e cruel.
Ao final, Venturi, ainda que de maneira crítica, toma partido daqueles que tentaram, como diz o filme, atravessar às cegas a escuridão imposta pela ditadura.
Ah, e não esqueça de prestar atenção na trilha sonora de "Cabra Cega", já disponível em CD. Tem "Roda Viva", "Construção", "Rosa dos Ventos" (todas de Chico Buarque) e "Sinal Fechado" (Paulinho da Viola), reinventados por Fernanda Porto. Só sons bacanas e que podem servir de aperitivo pra você conhecer mais do repertório da MPB daquele período, talvez um dos mais ricos da história da nossa música.
Abaixo, vai uma pequena lista que o Folhateen pediu para os dois diretores prepararem para vocês, com dicas de filmes que eles consideram importantes para entender melhor a ditadura aqui e na Argentina, país vizinho que também viveu sob regime militar, mais ou menos na mesma época, entre 1976 e 1983.


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