São Paulo, segunda, 26 de janeiro de 1998.



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free way
Pitta? Só pra comida árabe

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Passei alguns dias no período de fim de ano em São Paulo, e o que mais me espantou na cidade -além da já tradicional, porém eternamente inexplicável proliferação de corpos esculturais nessa época do ano- foi a (in)segurança pública.
A brutalidade e a estupidez da violência que acomete São Paulo (e, imagino, o Rio de Janeiro) tornam a estada quase insuportável. Pode ser que tenha me acostumado demais à relativa segurança daqui, mas acho mesmo é que as pessoas que moram no meio dessa guerrilha urbana é que se acostumaram a uma situação maluca.
Chegou-se ao ponto em que as liberdades básicas do cidadão já ficam ameaçadas. O direito de ir e vir, tão fundamental para qualquer regime sadio, está sendo abolido. Vive-se quase em prisão domiciliar e, quando sair é necessário, o medo de tornar-se a próxima vítima é quase tão castrador quanto ter de ficar em casa.
Não se pode andar pelas ruas porque, bom, aí é pedir pra levar um trabuco na esquina. De carro também já está complicando, graças às gangues da batida. Mesmo que não batam, parar no sinal é um convite ao crime, o que torna o já caótico trânsito uma mistura de autochoque e Fórmula 1. Até mesmo ficar em casa não garante nada -os sequestradores estão aí, sempre um passo à frente da polícia (ou, pior, junto e confundindo-se com ela).
A culpa é, obviamente, do Estado. Segurança pública é um dos poucos serviços que dificilmente podem ser privatizados e, mesmo que pudesse, duvido que muita gente gostaria de ver essa polícia que adora dar bolacha em pobre favelado trabalhando para uma empresa. A solução, portanto, passa necessariamente pela ação governamental.
O modelo que todo mundo está tentando imitar é o da Nova York do prefeito Giuliani. Por meio de uma série de medidas, Nova York sofreu uma transformação inacreditável. Áreas caindo aos pedaços agora atraem investimentos, e o clima de segurança impera -a não ser quando os brasileiros vêm em avalanche para fazer suas compras de fim de ano, mas isso são outros quinhentos.
Mais do que estratégia, o sucesso nova-iorquino parece dever-se às personalidades dos comandantes (Giuliani, especialmente, e o chefe de polícia) e à delegação de responsabilidades, que deixa de ser estadual (como no Brasil) para ser municipal. Aí é que a situação complica pros paulistanos. Porque, pra implementar um plano de peitar o crime, é preciso que o prefeito tenha uma grande dose de coragem, determinação e lisura para servir de exemplo. Pitta, o prefeito que São Paulo não merecia ter, não tem nenhuma delas.
Envolvido em suspeitas de improbidade com precatórios e frangos, Pitta não tem autoridade para cobrar o que quer que seja. E, mesmo que tivesse, não acredito que o fizesse até que painho Maluf desse a ordem e explicasse como, porque o prefeito lembra só uma versão piorada (se é que isso é possível) do malufismo que o inventou.
Quando o governo não cumpre o seu papel, abre espaço pra que outros o ocupem. E o resultado é muito espetáculo e pouco resultado. Quer seja por meio de livros homicidas escritos por policiais ou de execuções promovidas à luz do dia pelos seguranças daqueles que têm recursos para saltar sobre a inatividade do Estado, o certo é que voltamos ao período romano do pão e circo. De espetáculo em espetáculo, o centro do picadeiro vai virando o nosso chão, na condição de palhaços. E, ao contrário do que acontecia no Coliseu, por aqui a platéia é que é entregue aos leões, enquanto os bandidos orquestram a cerimônia. Ave, Celsus Pittus!


Gustavo Ioschpe, 20, é escritor e estuda administração na Wharton School of University of Pennsylvania, EUA, e-mail: fala -bagual@geocities.com


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