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PROTAGONISMO
Jovens negros ajudam a valorizar particularidades culturais
Munição contra o preconceito
ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Elas driblaram o preconceito e assumiram o visual afro. Hoje, resolveram
trabalhar a auto-estima de milhares de
outras crianças.
Certa vez, ao entrar na sala de aula, em
uma escola pública de Salvador, cidade
onde mais de 80% da população é negra,
a estudante do segundo ano do ensino
médio Paula Roberta Bacelar Santos
Bonfim, 19, ouviu da professora, que se
deparou com seu cabelo black power:
"Não veio penteada hoje?"
"Dei uma resposta à altura: "a senhora
não conhece o movimento Black Power?"." Paula não sente mais vergonha
nem fica vexada com o comentário
alheio a respeito do cabelo crespo e armado, do nariz alargado e da cor da pele.
"Às vezes, ainda sofro um pouquinho,
principalmente na escola. Mas, ao mesmo tempo, há várias colegas que vêm me
perguntar sobre cultura afro porque reparam no meu visual."
Paula é uma das oficineiras que trabalham na ONG Núcleo Omi Dùdú e, hoje,
não só superou muitos "traumas comuns às pessoas negras, que encaram
uma realidade cheia de preconceitos",
como trabalha contra a discriminação:
discute cultura e estética afro com milhares de crianças do ensino fundamental
da rede pública de Salvador.
Como participante da Omi Dúdù, Paula esteve envolvida no ano passado com
cerca de 12 mil crianças de 55 escolas da
periferia da cidade. O pessoal da ONG
chega às escolas munido de miçangas,
búzios, palha da costa, alfinetes, panos
coloridos, fitas de vídeo, folhetos e muito
bom humor. Fazem trançados nos cabelos das meninas, desenhos nos cabelos
dos garotos, cruzam os panos na criançada e, com muita prática, compõem
uma roupa tipicamente africana, com direito a turbante. Entre uma amarração
de tecido e a maquiagem, elas falam de
cultura, higiene, racismo e violência.
"Aproveitamos a questão estética para
discutir essas outras questões. No final,
quando as crianças desfilam produzidas,
dá gosto ver como a auto-estima delas
melhora", conta Sâmia Jamile da Conceição Bonfim, 19. Como Paula, Sâmia
não assumia o cabelo crespo. "Não me
achava bonita".
Essa relação negativa das crianças e jovens com a própria imagem muitas vezes
é criada ou intensificada pelos pais. José
Roque Lima, 32, um dos diretores da
Omi Dùdú, diz que é comum alguns pais
procurarem a ONG e dizerem: "Que história é essa de fazer trança no cabelo da
minha filha, quer que a chamem de neguinha?". Paula, às vezes, passa por situação semelhante. "Meu pai fala: "Você
está parecendo uma louca. Tira isso! Eu
vou comprar um alisante para você!" Já
sobre meu irmão mais novo, que raspa e
faz desenho no cabelo, meu pai diz que
ele parece um marginal".
Inês Correia Lima Nascimento, 22, que
também faz tranças na garotada, mas fica responsável principalmente pela maquiagem, diz que costuma falar às crianças: "Não estou aqui para trazer beleza
para ninguém, mas para realçar o que
vocês já têm de bonito".
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