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free way
Cadeia para alunos e reitores
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Está sendo necessária a morte
de um futuro médico para que a
sociedade se sensibilize e acabe
com essa barbaridade que é o
trote universitário. Para quem
nunca passou pelo ritual ou não
conhece as figuras que povoam
os campi universitários brasileiros, o acontecido pode parecer
surpreendente. Para quem não
desfruta de tal ignorância, o afogamento do estudante Edison só
confirma impressões antigas.
Primeiro: a de que há nas universidades desse país uma cambada de bestas, oriundas de um
estrato particular da sociedade,
acostumada com a impunidade,
com a arrogância e com o desprezo pelo mais fraco que a caracterizaram e a caracterizam.
Seria esperado que, quanto
mais concorrida a faculdade e
mais difícil o curso, mais civilizados seriam seus ocupantes,
mas é exatamente o oposto o que
acontece, graças ao sistema brasileiro, que abre as portas das
universidades públicas aos filhinhos de papai e indica o caminho do fundo da piscina àqueles
que nunca aprenderam a nadar,
literal e metaforicamente.
Os mesmos delinquentes que
se divertem pisoteando as mãos
de afogados são aqueles que sufocam a primeira-dama, que só
se manifestam aos coices, gritos
e palavrões. E serão os mesmos,
amanhã, a invocar seu diploma
universitário para safar-se
quando pegos em suas mutretas
e a sacar de sua inviolabilidade
cada vez que sua cretinice for exposta. Para eles, primeiro expulsão, depois cadeia.
A segunda impressão é que o
acontecido reforça a imbecilidade completa desse ritual chamado trote. Qual é o sentido do trote? Se é para os veteranos se divertirem à custa dos mais fracos,
que fiquem em casa e continuem
incomodando suas empregadas.
Se é para terem uma desculpa
pra bater em alguém, que se matriculem numa academia de jiu-jitsu. Se é para se embebedarem,
que se dirijam a uma boate.
Não venham me dizer que é
necessário para que calouros e
veteranos se conheçam. Primeiro, porque não sei qual é a grande necessidade dos grupos de se
conhecer. Segundo, porque, se
querem realmente se conhecer,
que o façam sem violência, num
ambiente sadio, como as pessoas civilizadas do planeta.
Aos que dizem ser o trote um
"ritual de passagem" necessário
para sinalizar a entrada na vida
universitária vale lembrar que as
universidades daqui, por exemplo, não toleram essa prática estúpida e que a grande maioria
das passagens da vida não vem
acompanhada de um ritual, e
nem por isso são menos válidas.
Esse papo não cola.
Por último, o ocorrido mostra
a irresponsabilidade e a submissão dos diretores de faculdades
do Brasil. Que as bestas estudantis cometam uma barbaridade
dessas é de esperar; que os administradores das instituições lhes
dêem guarida e legitimidade é
não só motivo de espanto, mas
de processo criminal. Quem autoriza esse tipo de coisa deveria
ir junto para o xilindró.
Mas os reitores não fazem nada, ou porque estão cegos a ponto de não entender o estapafúrdio da situação, ou porque têm
medo dos alunos. Fico com a segunda possibilidade. Pais e professores desses moleques mimados, depois de décadas de libertinagem, criaram feras, que agora não conseguem controlar. Assim, são subjugados por suas
crias e por elas coagidos, achincalhados. Ficam nessa retórica
idiota de fazer a vontade dos alunos, porque a universidade seria
deles. Balela.
Universidade pública é da comunidade, e seus diretores são
agentes da coletividade. Se os
mauricinhos da vida querem
mandar e desmandar, que migrem para uma universidade
privada. Na coisa pública, quem
manda somos nós.
Cabe a nós, ainda não bestializados, exigir que essa irresponsabilidade seja encerrada e seus
artífices (alunos e dirigentes)
punidos. Não só pela memória
de Edison, mas principalmente
pelo futuro de nossos filhos.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA,
e-mail: desembucha@cyberdude.com
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