São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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HISTÓRIA

O jornalista foi morto em 25 de outubro de 1975; filme reconstrói o caso de tortura que mudou o curso da ditadura militar

Vladimir Herzog, 30 anos depois

Reprodução
Foto de Wladimir Herzog divulgada após a sua morte


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

O cineasta caminha entre passantes na praça da Sé. Pergunta às pessoas se elas sabem quem foi Vladimir Herzog (1937-1975). Quase ninguém responde corretamente. E a maioria nem ouviu falar. E você, conhece esse personagem?
No dia 25 de outubro, completam-se 30 anos da morte de Vlado, como era conhecido o jornalista, que nasceu na Iugoslávia, veio para o Brasil fugindo do nazismo e morreu após ser torturado num quartel militar, durante a ditadura (1964-1985).
"Vlado" é, justamente, o nome do documentário de João Batista de Andrade, atual secretário de cultura do Estado de SP e que foi colega de trabalho de Herzog nos anos 70. O filme estréia na sexta-feira, dia 30.
Você provavelmente já ouviu falar dos casos de tortura, dos mortos e desaparecidos durante o período em que os militares governaram o Brasil, não é? Por que, então, o caso de Vladimir Herzog permaneceu como algo até hoje tão emblemático?
A resposta não é muito simples e está relacionada a uma combinação de fatos históricos. Em 1975, a repressão da ditadura não era tão forte como havia sido logo após a promulgação do AI-5 (Ato Institucional número 5), em 1968. Praticamente já não havia, por exemplo, a luta armada, que fazia oposição ao regime de uma forma também muito violenta e tinha como objetivo implantar uma ditadura socialista no país.
Além disso, desde que o presidente Ernesto Geisel (1974-1979) assumira, sucedendo a Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), o governo tinha começado a discutir uma futura redemocratização do país.
Não se esperava, portanto, que um caso de tortura e morte tão brutal fosse cometido contra um jornalista respeitado e que trabalhava em uma emissora estatal.
Herzog, um intelectual de esquerda apaixonado por cinema, era militante comunista ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro). O partido queria o fim da ditadura, mas não agia de forma violenta como a luta armada.
Entretanto, um setor do Exército que não queria a redemocratização resolveu soltar as garras para cima do partido, na falta de inimigos mais ameaçadores como os guerrilheiros do passado. Assim, esses militares reforçavam sua autoridade e impunham limites à abertura pretendida pelo governo.
Por meio de relatos de amigos, companheiros de tortura e da viúva, Clarice, o filme tenta reconstruir como Herzog foi morto. Na noite do dia 24 de outubro, o jornalista foi procurado por agentes para depor sobre suas ligações com o PCB. Ele prometeu comparecer no dia seguinte ao quartel onde funcionava o DOI- Codi (Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), na rua Tomás Carvalhal, em São Paulo.
Lá, ele sabia, já estavam alguns colegas, como Paulo Markun e Rodolfo Konder. No documentário, ambos relembram as práticas (espancamento, choques) usadas contra os presos e dos gritos de Herzog antes do silêncio que anunciou sua morte.
Segundo a versão oficial à época, Herzog teria se enforcado na cela com um cinto do macacão de presidiário. A versão do suicídio, logo de cara, não convenceu ninguém, pois havia muitas evidências de que o jornalista tinha sido morto brutalmente.
O caso abalou o país, e pela primeira vez desde o AI-5 as pessoas saíram as ruas numa manifestação, ainda que contida, contra o regime, num culto em homenagem a Herzog, na praça da Sé, no dia 31 do mesmo mês. Imagens desse dia e declarações de d. Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel encerram o relato de "Vlado".
A ditadura ainda duraria mais dez anos, mas, a partir do caso Herzog, não foi possível mais conter o processo de abertura política e de redemocratização.
"Vlado", o filme, é um pouco chato. Até porque não há muitas imagens feitas à época e o cineasta optou por filmar de modo exaustivo o rosto dos entrevistados.
Mas a história, aqui, fala mais alto, e vale a pena ouvir os depoimentos colhidos por João Batista de Andrade. Além de ajudar a formar um quadro sobre o que ocorreu, eles nos lembram que ainda existem perguntas não respondidas sobre o caso.
E, se você estiver interessado em saber mais sobre o assunto, há outras boas fontes, como o livro "A Ditadura Encurralada", de Elio Gaspari (Companhia das Letras), e "Dossiê Herzog", de Fernando Pacheco Jordão (Global). O importante mesmo é não deixar a história para trás.

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