São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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LIVRO

"Outroso" fala de um mundo criado sob a terra por jovens

Notas do subsolo

ALEXANDRA MORAES

DA REPORTAGEM LOCAL

As memórias da escritora Graciela Montes estão intimamente ligadas a memórias literárias e memórias políticas. Nada mais natural, então, do que transferir um pouco desses dois mundos para aquele que ela mesma criou, o de seus livros. Um deles é "Outroso - Um Outro Mundo" (ed. Moderna, R$ 26,50), que está sendo lançado no Brasil com tradução da escritora Ana Maria Machado.
"Outroso" é uma história sobre adolescentes que vivem no bairro Florida, na Grande Buenos Aires. Os cinco jovens resolvem construir, com suas próprias mãos, aproveitando materiais velhos, sucata, despojos de um terreno baldio e criatividade, túneis que ligassem as suas casas. Eles serviriam aos adolescentes um pouco como esconderijo e um pouco como lugar de diversão, a salvo das investidas de uma gangue que assombrava o bairro, a Patota.
Os cinco inventores de Outroso fazem tudo para tornar esse outro mundo real: cavam com as próprias mãos, fazem as vigas, estudam cada um dos labirintos e cada saída de emergência. Lá dentro, estariam distantes dos problemas do mundo lá de cima, aparentemente injusto demais.
Apesar de todo o incômodo que a Patota causava em muitos moradores, ela continuava a agir impunemente, e isso, além do próprio mundo subterrâneo dos cinco jovens, é encarado como uma metáfora da própria Argentina, que viveu sob uma ditadura militar sangrenta entre 1976 e 1983 _um trauma ainda muito recente quando o livro foi publicado, em 1991.
"Outroso" foi escrito quando estávamos apenas saindo da ditadura e publicado alguns anos depois. A repressão, o medo, a sensação de estar sobrevivendo, as redes de resistência, tudo isso ainda estava presente nesse momento", contou a autora, em entrevista ao Folhateen.
"Com certeza há uma ligação simbólica entre a Patota dos jovens prepotentes e essa outra Patota que havia criado centros clandestinos de repressão, tortura, seqüestro e assassinato de tantos. Como não ligá-las?"
Mas ela diz que Outroso também tem outros laços, com os mundos imaginários em geral, "que nos salva do desespero". "E também com a velhíssima e deliciosa história de Ariadne [que é o nome da personagem principal], Teseu e o Minotauro", conta. "A literatura tem a vantagem de não se esgotar em uma única explicação."


A escritora ganhou em 1980 o prêmio Lazarillo, o mais importante para autores de livros infanto-juvenis na Espanha.


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