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estante
Histórias da cidade para as quais nossa consciência está amortecida
Um: mulher miserável oferece sua
filha recém-nascida (dois dias) a
um insensível passante -um sujeito comum, como eu e você. Um sujeito que nem cogita ficar com o
presente, a filha chamada Angélica
(o pai queria "Xuxa").
Dois: homem discute com mulher
cujo marido foi enterrado nos EUA.
Ela diz que lá, sim, enterram os
mortos com elegância. Ele diz que
aqui crianças morrem ainda crianças, sem tempo para a elegância.
"Morrem fora da escola(...). Lá, até
nisso são cuidadosos e desenvolvidos. Estão nas escolas crianças que
matam outras crianças."
E mais: irmão que denuncia a irmã que se prostituiu; rapaz de classe
média com medo do entregador de
pizza, um possível assaltante; uma
mulher solitária que, só por acaso,
ainda não morreu. Em todas as histórias, a constante da cidade que engole seus filhos sem pena.
Não dá para estranhar nada desses enredos, certo? Porque eles são
de nossa intimidade -vivemos isso
a cada dia. Vem daí a importância
do artista que, para falar de coisas
que a nossa consciência já amorteceu, precisa remexer as cinzas das
palavras e soprar de novo em tudo.
Marcelino Freire faz isso no belo e
duro "Angu de Sangue", uma porrada no cérebro e no coração de
quem ainda não morreu. Marcelino
mostra que a literatura não precisa
satisfazer-se com o horizonte da
classe média. Porque o mundo segue rodando e pedindo atenção.
E-mail - fischerl@uol.com.br
"Angu de Sangue"
Autor: Marcelino Freire
Editora: Ateliê Editorial
Quanto: R$ 27, em média
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