São Paulo, segunda-feira, 26 de novembro de 2001

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estante

Histórias da cidade para as quais nossa consciência está amortecida

Um: mulher miserável oferece sua filha recém-nascida (dois dias) a um insensível passante -um sujeito comum, como eu e você. Um sujeito que nem cogita ficar com o presente, a filha chamada Angélica (o pai queria "Xuxa").
Dois: homem discute com mulher cujo marido foi enterrado nos EUA. Ela diz que lá, sim, enterram os mortos com elegância. Ele diz que aqui crianças morrem ainda crianças, sem tempo para a elegância. "Morrem fora da escola(...). Lá, até nisso são cuidadosos e desenvolvidos. Estão nas escolas crianças que matam outras crianças."
E mais: irmão que denuncia a irmã que se prostituiu; rapaz de classe média com medo do entregador de pizza, um possível assaltante; uma mulher solitária que, só por acaso, ainda não morreu. Em todas as histórias, a constante da cidade que engole seus filhos sem pena.
Não dá para estranhar nada desses enredos, certo? Porque eles são de nossa intimidade -vivemos isso a cada dia. Vem daí a importância do artista que, para falar de coisas que a nossa consciência já amorteceu, precisa remexer as cinzas das palavras e soprar de novo em tudo.
Marcelino Freire faz isso no belo e duro "Angu de Sangue", uma porrada no cérebro e no coração de quem ainda não morreu. Marcelino mostra que a literatura não precisa satisfazer-se com o horizonte da classe média. Porque o mundo segue rodando e pedindo atenção.

E-mail - fischerl@uol.com.br

"Angu de Sangue"

Autor: Marcelino Freire
Editora: Ateliê Editorial
Quanto: R$ 27, em média


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