|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A "rebeldia" do Charlie Brown Jr. engarrafada pela Coca-Cola
DA REPORTAGEM LOCAL
Para aqueles que não conhecem o
script, lá vai: em um show agitadíssimo do Charlie Brown Jr., em que todo
o público exibe as garrafinhas colecionáveis da Coca-Cola, cada um a seu
modo, um garoto é avistado pelo vocalista da banda, no meio da multidão,
sem nenhuma garrafinha. Imediatamente, Chorão pára o show e chama a
atenção do sujeito: "Pô, brother, tá
nessa?!!! Aí, vou te dar um toque: se liga
no estilo!". E o carinha fica todo sem
graça, afinal, ele é o único que não tem
a tal garrafinha.
É aí que algo de maravilhoso acontece, e ele não só surge com sua própria
garrafinha mas também ganha um abraço do
ídolo Chorão. Fim do comercial.
"Tudo nessa empresa é baseado em
pesquisa", explica a diretora de marketing da Coca-Cola, Cláudia Colaferro.
"E o Charlie Brown Jr. apareceu como
o representante da geração que
tem entre 14 e 19 anos."
Depois de convidar a banda para
participar das três edições do Cocacolavibezone, Colaferro diz ter percebido
que "o Charlie Brown Jr. era a banda
que mais estava bombando entre a galerinha". Daí para a campanha das garrafinhas, foi um pulo. "A Coca-Cola fala com o jovem nessa fase e fica com ele
para sempre, porque faz parte de sua
memória da época da vida da qual as
pessoas são mais saudosas."
A diretora de marketing comemora
o sucesso da campanha. "O posto de
troca aqui da empresa fica
com uma fila enorme todos os dias, às
9h. Cada garrafinha tem um estilo jovem diferente, e a banda ajudou a dar a
cara da geração de hoje." Mérito da estratégia da Coca-Cola e da banda, que
posa de "rebelde", canta que "o jovem no
Brasil nunca é levado a sério" e pede,
na TV, para que ninguém fique de fora
da promoção de garrafinhas coloridas.
"Transformadas em imagens publicitárias, a rebeldia e a contestação não
representam nada além de estratégias
de gozo. Não há nada a ser contestado
pelo jovem nessa lógica: o que sua "rebeldia" pede é exatamente o que a economia quer que ele queira. Ele é um rebelde obediente", argumenta a psicanalista Maria Rita Kehl.
O filme publicitário mexeu com os
ânimos de alguns leitores do Folhateen, que se manifestaram via e-mail.
O estudante de relações internacionais
Marcel Patrick Alves Shimabukuro, 19,
foi o mais contundente deles. "Eu me
senti ofendido pelo comercial. Fiquei
revoltado porque sua mensagem é
muito direta: restringe a individualidade e a liberdade do jovem e cria uma padronização de gostos para que todo
mundo compre a mesma coisa", contesta. "O comercial usa a pressão do
grupo e da banda contra o indivíduo
que quer ser diferente. Isso dá a impressão que os publicitários subestimam a nossa percepção."
Outros jovens, como Cristiano Montrase, 16, presidente do fã-clube Família Charlie Brown Jr., acham que o comercial não
tem nada demais. "O cara que critica é
o mesmo que bebe Coca-Cola. O Charlie Brown está divulgando não só o refrigerante mas também a banda e o
rock", defende.
Como já havia profetizado Humberto Gessinger, vocalista dos Engenheiros do Hawaii, ainda em 1987, "a juventude é uma banda, numa propaganda de refrigerantes".
(FERNANDA MENA)
Texto Anterior: Nem todo mundo aceita a regra para consumir Próximo Texto: Empresas copiam estratégia dos vírus Índice
|