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São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

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A "rebeldia" do Charlie Brown Jr. engarrafada pela Coca-Cola

DA REPORTAGEM LOCAL

Para aqueles que não conhecem o script, lá vai: em um show agitadíssimo do Charlie Brown Jr., em que todo o público exibe as garrafinhas colecionáveis da Coca-Cola, cada um a seu modo, um garoto é avistado pelo vocalista da banda, no meio da multidão, sem nenhuma garrafinha. Imediatamente, Chorão pára o show e chama a atenção do sujeito: "Pô, brother, tá nessa?!!! Aí, vou te dar um toque: se liga no estilo!". E o carinha fica todo sem graça, afinal, ele é o único que não tem a tal garrafinha.
É aí que algo de maravilhoso acontece, e ele não só surge com sua própria garrafinha mas também ganha um abraço do ídolo Chorão. Fim do comercial.
"Tudo nessa empresa é baseado em pesquisa", explica a diretora de marketing da Coca-Cola, Cláudia Colaferro. "E o Charlie Brown Jr. apareceu como o representante da geração que tem entre 14 e 19 anos."
Depois de convidar a banda para participar das três edições do Cocacolavibezone, Colaferro diz ter percebido que "o Charlie Brown Jr. era a banda que mais estava bombando entre a galerinha". Daí para a campanha das garrafinhas, foi um pulo. "A Coca-Cola fala com o jovem nessa fase e fica com ele para sempre, porque faz parte de sua memória da época da vida da qual as pessoas são mais saudosas."
A diretora de marketing comemora o sucesso da campanha. "O posto de troca aqui da empresa fica com uma fila enorme todos os dias, às 9h. Cada garrafinha tem um estilo jovem diferente, e a banda ajudou a dar a cara da geração de hoje." Mérito da estratégia da Coca-Cola e da banda, que posa de "rebelde", canta que "o jovem no Brasil nunca é levado a sério" e pede, na TV, para que ninguém fique de fora da promoção de garrafinhas coloridas.
"Transformadas em imagens publicitárias, a rebeldia e a contestação não representam nada além de estratégias de gozo. Não há nada a ser contestado pelo jovem nessa lógica: o que sua "rebeldia" pede é exatamente o que a economia quer que ele queira. Ele é um rebelde obediente", argumenta a psicanalista Maria Rita Kehl.
O filme publicitário mexeu com os ânimos de alguns leitores do Folhateen, que se manifestaram via e-mail. O estudante de relações internacionais Marcel Patrick Alves Shimabukuro, 19, foi o mais contundente deles. "Eu me senti ofendido pelo comercial. Fiquei revoltado porque sua mensagem é muito direta: restringe a individualidade e a liberdade do jovem e cria uma padronização de gostos para que todo mundo compre a mesma coisa", contesta. "O comercial usa a pressão do grupo e da banda contra o indivíduo que quer ser diferente. Isso dá a impressão que os publicitários subestimam a nossa percepção."
Outros jovens, como Cristiano Montrase, 16, presidente do fã-clube Família Charlie Brown Jr., acham que o comercial não tem nada demais. "O cara que critica é o mesmo que bebe Coca-Cola. O Charlie Brown está divulgando não só o refrigerante mas também a banda e o rock", defende.
Como já havia profetizado Humberto Gessinger, vocalista dos Engenheiros do Hawaii, ainda em 1987, "a juventude é uma banda, numa propaganda de refrigerantes". (FERNANDA MENA)


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