São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2004

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COMPORTAMENTO

Emprestar ou trocar peças temporariamente, para ir à balada ou à escola, passa a ser mania entre meninos e meninas

Minha roupa, sua roupa

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Campos do Jordão, sexta-feira, 21h. É feriado, a cidade está bombando. As meninas começam a se arrumar para a balada. Qual calça combina mais com essa blusa? Esse casaco fica legal com esse cachecol? Depois de uma hora e muitas opiniões, elas estão prontas para a noite: quase nenhuma delas, no entanto, está usando os próprios modelitos. Na verdade, é difícil dizer qual é a dona de cada peça de roupa, tamanho o troca-troca.
"Muitas vezes, a gente usa a roupa inteira da amiga", diz Fernanda Junqueira, 16, que passou o feriado de Corpus Christi em Campos do Jordão. Ficou em uma casa com seis amigas (era a "casa das sete mulheres"). "A gente experimentava as roupas 40 vezes e pedia a opinião de todas. Se a maioria achava que estava bom, ótimo."
O hábito de emprestar roupas para os amigos e de pegar emprestado não é só da turma de Fernanda, pelo contrário: é mania entre os adolescentes. De certa forma, é como se a brincadeira de trocar a boneca de roupa várias vezes passasse para a vida real. Só que, como o próprio guarda-roupa é limitado, elas acabam recorrendo às amigas.
"Há uma loja que vende calças de veludo lindas, de várias cores. Como não dá para comprar todas, cada amiga comprou a calça de uma cor, e aí a gente troca, empresta para as outras", diz Fernanda.
Eliza Grunglasse, 16, amiga de Fernanda, também passou o feriado em Campos do Jordão, só que em outra casa, com duas amigas. "Na hora de arrumar o armário, misturamos todas as nossas roupas. Colocamos todas as calças juntas, todas as blusas juntas e assim por diante. Quando a gente ia sair, nem precisava pedir para a outra, era só pegar."
O troca-troca de roupas é mais intenso quando a galera viaja para algum lugar diferente, mas também acontece quando as meninas vão à casa de alguém estudar, conversar ou se arrumar antes de ir para a balada. Às vezes, elas até perdem a noção de onde está determinada roupa, porque a amiga empresta para a amiga, que empresta para a amiga e por aí vai.
"De vez em quando acontece de uma roupa sumir, mas ela sempre acaba voltando. A gente pergunta para as amigas quem foi a última que usou", conta Luiza Lopes da Silva Peixoto, 16. "Uma vez, uma blusa minha sumiu. Eu já tinha até desistido de encontrar, quando fui à casa de uma amiga da minha amiga, que eu nem conhecia, e a blusa estava lá."
Os meninos também estão na onda. "É bom para variar mais, a gente acaba enjoando das próprias roupas", diz José Claudio Damasceno, 19, que costuma emprestar camisetas, bermudões e blusões para o vizinho Álvaro Felipe Vietri Castello, 18, que também empresta as roupas para ele.
As roupas vão rodando, mas os seus donos não parecem sentir o menor ciúme. "Eu sou muito sossegada com essas coisas, empresto até roupa nova, na boa. Já emprestei uma sandália que eu nem tinha usado ainda", diz Eliza.
Quem mais parece ter ciúme, na verdade, são as mães. A maioria reclama. "Acho que é uma coisa da nossa geração, os adultos não entendem, acham que é falta de educação. Minha vó ficou chocada quando disse que eu usava a roupa das minhas amigas", afirma Eliza. "Quando minha mãe vê algum amigo meu usando minhas roupas, diz: "Larga de ser besta!'", diz Álvaro Felipe.
E quando a roupa volta estragada? Aí, é claro, ninguém gosta. "Uma vez, um amigo pediu para passar um tempo com uma jaqueta minha e ficou com ela a maior cara. Um dia, vi uma menina que estava com ele deitada no chão em cima da minha jaqueta. Quando ele foi me devolver, estava toda detonada. Falei: "Pode ficar com ela!". Acabei ficando com uma jaqueta dele, mas a minha era de marca, tinha custado uns R$ 250", lembra José Claudio.
"Eu acho que é falta de consideração quando a gente empresta a roupa e a pessoa estraga ou perde", diz Eliza. Ela nunca estragou roupa de ninguém, mas uma sacola cheinha de roupas da amiga que estava na sua casa desapareceu. "Na verdade, a minha amiga tinha esquecido a sacola na minha casa, ou seja, não estava sob a minha responsabilidade." A garota havia voltado de viagem, e as roupas estavam em um saco de lixo. Provavelmente, segundo ela, a empregada jogou fora, pensando que era lixo.
Como não dava para recuperar tudo, elas acabaram entrando em um acordo. "A única coisa que ela fez questão de ter de volta foi uma sandália e um vestido de marca, que tinha acabado de ganhar." O vestido custou R$ 150, e a sandália, cerca de R$ 80. O pai de Eliza pagou a conta. "Ele ficou superbravo, disse que era a primeira e a última vez que faria isso." "Quando as roupas sumiram, minha amiga ficou supernervosa. Achei até que ela foi meio estúpida, mas depois ela pediu desculpas, e eu aceitei. Era uma amiga muito importante, e eu não ia ficar brigando por causa de roupa." Amizade em primeiro lugar.


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