São Paulo, Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2000


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DO BAÚ
Cultura racional passa de pai para filho

CLAUDIA ASSEF
da Reportagem Local

Em meados dos anos 70, Tim Maia colocava na praça dois LPs para lá de bombásticos, "Tim Maia Racional", volumes um e dois.
Além do som absurdo -no bom sentido- que Tim andava tirando, o que chamava a atenção nos discos era a panfletagem do cantor em favor de sua nova obsessão: a cultura racional -naquela década, uma leva de músicos, atores e anônimos entrou de cabeça no estudo do livro "Universo em Desencanto", a base de toda a "fase" racional.
Longe da mídia desde que Tim a abandonou, a cultura racional ainda usa a música como forma de divulgação, especialmente entre os jovens.
No Brasil, a cultura mantém dezenas de grupos de jovens que se reúnem para estudar o livro "Universo em Desencanto" e para tocar. São as chamadas bandas racionais.
A Banda Racional de São Paulo, por exemplo, é formada por 233 integrantes, a maioria jovens, que se apresentam em feriados nacionais, festas folclóricas e, é claro, convenções da cultura racional.
"Comecei a estudar aos 12 anos", diz Karina Bárbara, 20, integrante da banda, referindo-se à leitura da "bíblia" dos racionais, o "Universo em Desencanto".
A obra, composta por 1.006 (!!!) volumes, foi escrita entre 1935 e 1988 pelo funcionário público Manoel Jacintho Coelho (1903-1991), a quem os adeptos da cultura referem-se como "mestre" ou Superior Racional.
Além de usar o termo "estudar" quando falam sobre a leitura do "Universo em Desencanto", os seguidores do racional costumam repetir neologismos encontrados no livro. Referem-se ao corpo como "aparelho", falam em "divulgar" a cultura e dizem que a vida no "artifício" (onde há bens materiais) deve ser levada da maneira mais racional possível.
"Uma prima divulgou (a cultura) para mim. Fiquei ainda mais encantada quando conheci a banda racional. Achei a coisa mais linda do mundo. Passei a ler o livro e entrei para a banda", conta Karina.
Assim como Tim na fase racional, os adolescentes que participam das bandas racionais aproveitam as apresentações para difundir, por meio de músicas e de seus uniformes, o legado deixado pelo "mestre" Manoel.
"Comecei a ler o livro aos 11 anos e me conscientizei. Daí entrei para a banda para divulgar a cultura a outros jovens que estão precisando", diz o estudante Vitor Colombo, 18, trompetista da banda.

"Nasci com o livro na mão"
A cultura racional é transmitida aos mais jovens pelos pais, tios e primos mais velhos seguidores da cultura racional.
"Tive o privilégio de nascer com o livro na mão, digamos assim", diz a estudante Renata Lípia Lima, 15, também integrante da banda racional paulistana.
Segundo a mãe da garota, a comerciante Elvira Maria de Lima, 44, a cultura racional nunca foi imposta aos filhos. "Eles começam a estudar quando se sentem prontos", garante. Junto com o marido, Elvira toca uma das livrarias racionais de São Paulo, localizada no centro.
Na livraria, só são vendidos volumes do "Universo em Desencanto", a preços que variam de R$ 10 a R$ 21. Lá é possível encontrar todos os 1.006 volumes da obra.
"Às vezes, pode faltar um ou outro volume", diz Francisco Valdir Ricardo de Lima, 48, que ganhou há cinco anos a concessão para comandar a livraria.
Para participar de eventos e administrar livrarias racionais, o "estudante" da cultura precisa ter permissão do Retiro Racional Universo em Desencanto, a sede dos racionais, um conjunto de enormes galpões situado no Rio de Janeiro.


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