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RESUMINDO
Síntese da tragédia social do sertão
FRANCISCO ACHCAR
especial para a Folha
"Vidas Secas" (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953), é a história de uma família de retirantes, que, paradoxalmente, não
chega a constituir uma história.
A dura andança, sob a implacabilidade da seca, de certa forma
justifica a inutilidade da comunicação entre os membros da família, como justifica o fato de os filhos não apresentarem nomes, as
dificuldades linguísticas do pai,
Fabiano, e a inquietação constante. Justifica também o sacrifício do papagaio, que tinha acompanhado a família e veio a transformar-se em alimento providencial.
Não bastassem tais infortúnios,
Fabiano vem a ser preso pelo
"soldado amarelo", símbolo do
autoritarismo local. Ao contrário
de Fabiano, que se mostra matuto em tudo, sua mulher, Sinhá
Vitória, apresenta sinais de ter
vindo de um meio social menos
duro. Baleia, a cachorra, consegue sentir e reagir com inteligência superior à média dos animais.
Sua "humanização" progressiva
acompanha a também progressiva "animalização" dos membros
da família.
Embora se revolte contra as
contas do patrão, Fabiano tem de
aceitá-las, para não perder o emprego. Seu reencontro com o soldado amarelo, depois, em plena
caatinga, faz-lhe reconhecer sua
própria superioridade. Acaba
perdoando, ensinando ao soldado o caminho de volta. A temida
seca enfim está chegando. As árvores se enchem de aves de arribação.
Fabiano recomeça a analisar
sua vida. Quem lhe dá ânimo é
Sinhá Vitória. Os retirantes deixam a casa da fazenda e retomam
o caminho de sempre. No pensamento de Fabiano brilha uma
certa esperança, materializada
pelas promessas de chegar ao sul
do país. Mas a perspectiva que
vem do narrador é a da contínua
andança, sem definição e sem
destino certo.
A secura é a dominante da
obra: secas são não só as vidas
das personagens e as paisagens
que atravessam, mas também a
linguagem do livro. As frases são
curtas, lacônicas, o vocabulário é
mínimo, a própria montagem da
narrativa é esquelética, feita de
quadros que se reduzem a si mesmos, sem se articular no desenho
mais amplo de uma história, pois
esta também parece faltar àqueles magros retirantes.
"Vidas Secas" é um romance
afortunado. Além das inúmeras
traduções, tem conhecido aplauso não menos intenso por parte
do público que por parte da crítica. Isto se deve a várias qualidades do livro. A principal é que ele
sintetiza a tragédia social brasileira no sertão nordestino, com
uma linguagem levada aos limites da concisão e do aprimoramento, enfim, com um estilo que
consegue ser artístico, sem a menor afetação.
Quais os defeitos que Graciliano Ramos conseguiu evitar? Um
deles seria reduzir o livro a uma
equação política. Outro seria
usar a tradicional ornamentação
da natureza. A natureza em "Vidas Secas" é enxuta, áspera e limitada ao necessário. Está sempre diante de nós, mas nunca é
enfática.
Outro dos males do regionalismo, que Graciliano também contornou, são as tradicionais ingerências do narrador opiniático.
Graciliano pinta os quadros patéticos da família ambulante sem
dar a seu livro o caráter panfletário, de escrito de protesto, tão comum no chamado "realismo socialista", em grande voga nos
anos 30.
Francisco Achcar é professor de língua e literatura latina na Unicamp e autor de "Lírica e Lugar-comum" (Edusp)
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