São Paulo, terça-feira, 01 de dezembro de 2009
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VALE A PENA SABER / QUÍMICA

Moléculas de prata?


Em um colar de prata, há "n" átomos de prata; no entanto, não há moléculas de prata ali

LUÍS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Confesso: os químicos não são nada fáceis. Outro dia, vi na TV um comercial de desodorante que informava uma revolução na área: as moléculas de prata! Segundo a propaganda, esse componente reduz a ação e a proliferação das bactérias responsáveis pelo mau cheiro das axilas.
Tem verdade aí, mas tem também uma certa imprecisão científica. Muitos de meus alunos, para a minha alegria, perceberam qual é. A ação bactericida da prata é real. Já foi demonstrado que nanopartículas de prata destroem mais de 650 organismos causadores de doenças. Cobrindo uma maçã com uma fina camada plástica impregnada dessas partículas, a fruta demora o dobro do tempo para estragar. Em vez de apodrecer em 15 dias, leva um mês!
Nanopartículas são partículas de dimensões nanométricas (10-9m, um bilionésimo de metro!). "Nano" vem do grego, significa "anão". Para se ter uma ideia desse tamanho ínfimo, com "nanoletras" se poderia armazenar todo o conteúdo da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete.
Graças à nanotecnologia, os acidentes ambientais causados por derramamento de petróleo no mar podem estar com os dias contados. Cientistas brasileiros criaram um plástico impregnado por nanopartículas de magnetita. Lançado ao mar, esse material forma, junto ao petróleo, uma mistura que pode ser atraída por grandes ímãs, o que possibilita a limpeza do oceano.
Mas, então, qual o problema com as nanopartículas de prata no desodorante? Nenhum. Só que, ao contrário do que diz a propaganda, elas não são exatamente feitas por moléculas. A química básica, simplificadamente, ensina: (a) compostos formados por metal e ametal existem na forma de agregados iônicos, como o sal de cozinha; (b) substâncias formadas exclusivamente por ametais (e, às vezes, hidrogênio) existem na forma de moléculas (os átomos estão unidos por ligações covalentes), como a água; (c) materiais formados apenas por metais formam agregados de átomos unidos por ligação metálica.
Em um colar de prata, há "n" átomos de prata; no entanto, não há moléculas de prata ali -a não ser que tivéssemos unidades definidas do tipo Ag2, Ag3, Ag4 etc.
Assim como uma molécula de gás oxigênio (O2), de gás ozônio (O3) ou de fósforo branco (P4); mas isso normalmente não acontece com os metais.
Um amigo comprou um desses desodorantes e me disse que o rótulo informa a presença de citrato de prata (Ag3C6H5O7). Aí você diz: viu, são moléculas!
Não, não... a presença de metais como a prata e ametais como o carbono e o oxigênio denuncia: é um composto iônico, mais especificamente um sal.
Não sei por que usaram o termo "molécula". Para impressionar? Será o efeito sobre o consumidor maior do que usar "nanopartículas de prata" ou, dependendo do caso, "compostos com prata"?
Você pode estar pensando: que cara chato, é só uma palavrinha! Bom, eu avisei no começo que os químicos são assim. Acho que a situação é a mesma da pessoa que diz: "Xi, não vai dar para mim ir lá" e que, ao ser corrigida (o certo é "para eu ir"), responde: "Você entendeu. Dá na mesma!"
Tá bom, então...


LUÍS FERNANDO PEREIRA é químico formado pela USP, leciona no curso Intergraus e é coautor de "Planeta Química" (editora Ática).

lula7@terra.com.br


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