São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2006
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VAMOS PENSAR

GRAMÁTICA


Hipercorreção e a vontade de acertar

ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA

Praticamente todas as questões de língua portuguesa do Enem, recentemente aplicado, focalizavam a oposição entre o nível formal e o informal dos usos lingüísticos. Com efeito, pontuavam a prova expressões como "diversidade sociocultural e lingüística", "variação de usos da linguagem", "variedade do padrão formal da língua", "norma culta", "linguagem falada em situações do cotidiano", "linguagem regional"...
Ficou muito claro qual é o tipo de habilidade que o Enem quer aferir, já que sabidamente ele não pretende cobrar conteúdos, mas competências adquiridas ao longo do ensino médio.
Parece claro que tal habilidade só pode ser adquirida por meio da metódica e progressiva assimilação de conteúdos que constituem a gramática normativa, sem falar da leitura assídua de textos exemplares. Assim, pode-se dizer que, construído o prédio, dispensam-se os andaimes.
Dentro desse contexto, merece atenção um fenômeno bastante comum, conhecido pelo nome de hipercorreção ou ultracorreção. Trata-se do erro cometido por excesso de zelo. É tanta a vontade de acertar, que se acaba errando. Vejamos alguns exemplos. Na variedade lingüística que Amadeu Amaral chamou de "dialeto caipira", é rotineira a troca do /l/ pelo /r/. Diz-se /armôço/ por "almoço", /farta/ por "falta", /jornar/ por "jornal", e por aí vai. Quando alguém, que normalmente faz uso desse "dialeto", se vê em situação formal, corre o risco de dizer, por exemplo, "isso é uma falsa", quando o que pretendia dizer era "isso é uma farsa"...
Entendeu o "raciocínio"?
Outro exemplo. O pronome lhe freqüenta muito pouco a linguagem coloquial. Daí o perigo de usá-lo de forma equivocada, na doce ilusão de que se está falando "bonito". E então ouvimos frases como "eu não lhe vi", "ela lhe convidou"...
Há, também, um erro de colocação pronominal, muito comum, quando, em situação formal, alguém fala ou escreve, por exemplo, "o prejuízo que verificou-se". O raciocínio é claro: como todo mundo diz "o prejuízo que se verificou", o chique deve ser "o prejuízo que verificou-se". E a pessoa "fica se achando"...
Por fim, quem ainda não ouviu alguém dizendo "Ele já tinha chego"? Prepare-se. Já há gente perguntando se o certo é "Ele tinha trazido" ou "ele tinha trago". Coisas da hipercorreção...


ODILON SOARES LEME é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)

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