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VAMOS PENSAR
GRAMÁTICA
Hipercorreção e a vontade de acertar
ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA
Praticamente todas as questões de língua portuguesa do
Enem, recentemente aplicado,
focalizavam a oposição entre o
nível formal e o informal dos
usos lingüísticos. Com efeito,
pontuavam a prova expressões
como "diversidade sociocultural e lingüística", "variação de
usos da linguagem", "variedade
do padrão formal da língua",
"norma culta", "linguagem falada em situações do cotidiano", "linguagem regional"...
Ficou muito claro qual é o
tipo de habilidade que o Enem
quer aferir, já que sabidamente
ele não pretende cobrar conteúdos, mas competências
adquiridas ao longo do ensino
médio.
Parece claro que tal habilidade só pode ser adquirida por
meio da metódica e progressiva
assimilação de conteúdos que
constituem a gramática normativa, sem falar da leitura assídua de textos exemplares. Assim, pode-se dizer que, construído o prédio, dispensam-se
os andaimes.
Dentro desse contexto, merece atenção um fenômeno
bastante comum, conhecido
pelo nome de hipercorreção ou
ultracorreção. Trata-se do erro
cometido por excesso de zelo. É
tanta a vontade de acertar, que
se acaba errando. Vejamos alguns exemplos.
Na variedade lingüística que
Amadeu Amaral chamou de
"dialeto caipira", é rotineira a
troca do /l/ pelo /r/. Diz-se /armôço/ por "almoço", /farta/
por "falta", /jornar/ por "jornal", e por aí vai. Quando alguém, que normalmente faz
uso desse "dialeto", se vê em situação formal, corre o risco de
dizer, por exemplo, "isso é uma
falsa", quando o que pretendia
dizer era "isso é uma farsa"...
Entendeu o "raciocínio"?
Outro exemplo. O pronome
lhe freqüenta muito pouco a
linguagem coloquial. Daí o perigo de usá-lo de forma equivocada, na doce ilusão de que se
está falando "bonito". E então
ouvimos frases como "eu não
lhe vi", "ela lhe convidou"...
Há, também, um erro de colocação pronominal, muito comum, quando, em situação formal, alguém fala ou escreve,
por exemplo, "o prejuízo que
verificou-se". O raciocínio é claro: como todo mundo diz "o
prejuízo que se verificou", o chique deve ser "o prejuízo que verificou-se". E a pessoa "fica se
achando"...
Por fim, quem ainda não ouviu alguém dizendo "Ele já tinha chego"? Prepare-se. Já há
gente perguntando se o certo é
"Ele tinha trazido" ou "ele tinha trago". Coisas da hipercorreção...
ODILON SOARES LEME é professor do Anglo,
responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)
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