São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002
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ARTIGO

O que pensam os educadores sobre o ensino de matemática?

JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Apesar de não haver consenso entre os educadores em relação à principal causa do mau desempenho dos alunos nas áreas de exatas, alguns pontos importantes merecem destaque nessa discussão.
Em primeiro lugar, vale a pena dizer que a educação brasileira vai mal de modo geral e isso não é um privilégio das áreas de exatas. Apenas para ilustrar a situação, anos atrás uma universidade propôs uma dissertação sobre o tema: "O lazer e a vida do homem moderno". O tema teria sido um sucesso, não fosse o fato de quase metade dos candidatos terem dissertado sobre o impacto do uso do laser na vida do homem moderno, citando com convicção a cirurgia de miopia, aparelhos de CD etc.
Se, por um lado, o desdobramento da confusão entre lazer e laser não passou de motivo de piadas entre os estudantes, por outro, não saber resolver uma equação quadrática vira freqüentemente bandeira de luta contra a cruel matemática.
Uma primeira questão que merece ser esclarecida para os estudantes diz respeito à suposta idéia de que as ciências exatas, em particular a matemática, são mais difíceis que as demais áreas do conhecimento porque trabalham com raciocínio abstrato. Apesar de encontrarmos inúmeros defensores dessa linha de raciocínio, devo alertar que existem outros educadores que analisam a questão de outro ponto de vista. De acordo com esse segundo grupo, o raciocínio abstrato não é privilégio da matemática, mas, sim, do ato humano de pensar sobre qualquer que seja a área do conhecimento.
Dessa forma, seja na construção de uma poesia, na elaboração de um mapa cartográfico ou na resolução de um sistema de equações, estamos sempre trabalhando com abstrações. Os defensores dessa linha de raciocínio diriam que não há justificativa para dizermos que a idéia de operação entre frações é mais ou menos abstrata que a representação da capital federal no mapa do Brasil por um ponto. Ambas as representações são construções feitas a partir da capacidade humana de abstração.
Se a dificuldade de aprendizagem não se encontra propriamente no caráter abstrato das ciências exatas, então qual seria outro fator relevante para refletirmos sobre a questão? Apesar de também não haver consenso nas respostas a essa questão, alguns educadores acreditam que a matemática se tenha tornado a vilã dos vestibulares porque, da forma como vem sendo cobrada nesses exames, exige excessivo conhecimento cumulativo por parte do estudante. Exemplificando o que quero dizer, um aluno que nunca tenha estudado as capitanias hereditárias talvez esteja apto a responder a uma questão sobre a Proclamação da República, desde que tenha estudado esse assunto. Em relação à matemática, salvo exceções como a prova do Enem, da forma como os vestibulares tradicionais vêm tratando essa disciplina, dificilmente um aluno estaria apto a resolver uma equação trigonométrica sem dominar bem todas as operações com os números reais.
O estudante deve, portanto, procurar dar mais atenção em seu estudo à qualidade do que à quantidade. Uma boa reflexão sobre um único exercício pode fixar mais uma idéia do que um olhar superficial sobre dez.


José Luiz Pastore Mello é professor de matemática do ensino médio do Colégio Visconde de Porto Seguro


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