São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 2002
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QUÍMICA

Um veneno que salva vidas

LUÍS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Você sabia que o azoteto de sódio, um pó branco muito venenoso que foi bastante utilizado no combate às ervas daninhas, pode salvar sua vida? Sua toxidez é tão alta que ele chega a ser mais perigoso que os cianetos. Quando inalado, o azoteto (ou azida) de sódio, NaN3, causa forte irritação nas vias aéreas. Ingerido, eleva a pressão sangüínea, causa arritmia cardíaca e convulsões e pode até matar. Mas, apesar disso, ele pode salvar sua pele. Vamos ver como.
O segredo está na sua instabilidade molecular. Essa estranha substância apresenta, além dos cátions sódio, três átomos de nitrogênio interligados, e não dois, como seria mais comum, formando, por isso, uma estrutura extremamente instável. Assim, a tendência natural é a de quebra da molécula, produzindo o superestável e muito pouco reativo gás nitrogênio (N2), o mais abundante da atmosfera.
Quando essa quebra acontece, em apenas 25 milésimos de segundo (cinco vezes mais rápido que um piscar de olhos), pode-se encher um balão com 70 litros de gás N2! E qual é a utilidade dessa reação relâmpago? Salvar sua vida, ou melhor, encher airbags, aqueles balões que inflam e protegem os passageiros numa batida de automóvel. Todo carro equipado com airbag carrega alguns gramas do azoteto de sódio (tente calcular essa massa; se quiser conferir seus cálculos, mande um e-mail para esta coluna. Para a resolução, considere: volume molar do N2: 25 L; airbag de 70 L). Em caso de acidente, um sensor que detecta fortes desacelerações "decide" se o airbag será ou não inflado. No início do processo, um impulso elétrico eleva a temperatura do azoteto para 300C, o que causa sua decomposição: 2 NaN3 2Na + 3 N2. Mas o azoteto não trabalha sozinho. Ele conta com dois ajudantes: o KNO3 e a sílica.
O sódio formado na decomposição do NaN3 reage com o KNO3 produzindo mais um pouco de N2 (10 Na + 2 KNO3 K2O + 5Na2O + N2), que ajuda a inflar o balão de náilon, uma poliamida, protegendo os passageiros de um impacto mais forte.
Por último, os óxidos formados (K2O e Na2O) reagem com a sílica para formar silicato alcalino (vidro), que é um composto estável, não-inflamável e, portanto, seguro. Mas somente o gás nitrogênio escapa para os airbags.
Nos airbags, nos automóveis, na vida... a química está mesmo em todas!


Luís Fernando Pereira é professor do curso Intergraus e coordenador de química do sistema Uno/Moderna. E-mail: lula5@ig.com.br


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