São Paulo, terça-feira, 23 de dezembro de 2008
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HISTÓRIA

As crises e as mudanças nos rumos do capitalismo

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na discussão sobre a crise que atingiu a economia mundial nos últimos meses tem surgido alguns equívocos. O primeiro e mais evidente é o que atribui as causas da crise à "ganância dos especuladores". Esse ponto de vista desloca para segundo plano o aspecto mais importante, que é o reconhecimento das crises como um componente intrínseco do sistema capitalista. Não existe capitalismo sem crises. A "ganância dos especuladores" pode acelerar ou aumentar os efeitos das crises, mas não é propriamente a sua causa.
As crises têm se manifestado periodicamente desde as etapas iniciais do capitalismo, na transição do século 18 para o 19. Segundo alguns estudiosos, entre 1795 e 1937, houve 17 de duração e intensidades diferentes, a cada oito anos e quatro meses, em média.
Entre as mais famosas e importantes, destaca-se a crise que atingiu a Europa em fins da década de 1840 e cuja onda de desemprego e pobreza contribuiu para a eclosão das revoluções de 48. Seus efeitos repercutiram profundamente na evolução política do continente. Primeiro, porque o proletariado urbano saiu dessa crise "armado" com uma ideologia revolucionária, o comunismo, que defendia uma luta aberta dos trabalhadores contra a burguesia, a tomada do poder e a implantação do socialismo. Segundo, porque ficou evidente à burguesia a necessidade de uma ideologia que combatesse a oposição entre as classes e enfatizasse a coesão social.
Isso ajuda a explicar o apoio crescente dos "partidos da ordem" às idéias nacionalistas. Acreditava-se que o fortalecimento dos laços de união entre os "cidadãos" poderia neutralizar os efeitos desagregadores e revolucionários do comunismo. O reforço dos laços de nacionalidade e dos interesses "nacionais" cobrou um preço que foi o aumento da oposição e das hostilidades entre as nações. Este fenômeno foi fundamental para a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Outra crise que produziu efeitos marcantes na história do capitalismo foi a de 1929. Iniciou-se com o crack da Bolsa de Nova York e se alastrou rapidamente, quebrando bancos, indústrias nos EUA e no mundo, gerando novamente desemprego e pobreza em grande escala. A principal conseqüência da crise de 29 foi uma alteração no rumo do desenvolvimento capitalista. As idéias liberais, que defendiam o livre mercado e combatiam o intervencionismo, saíram desmoralizadas da crise e iniciou-se um período no qual o Estado passou a ter papel na regulação, orientação e planejamento do desenvolvimento econômico, que durou até a década de 80.
Nesse aspecto, a crise que atingiu a economia mundial recentemente guarda semelhança com a de 29, pois ambas encerram um longo período no qual a fé irrestrita na capacidade do mercado em promover o desenvolvimento e garantir a estabilidade saiu abalada, uma vez que o mercado revelou-se incapaz de enfrentar solitariamente a crise que criou operando livre de restrições.


ROBERSON DE OLIVEIRA é professor da escola Móbile é co-autor de "História do Pensamento Econômico" (Saraiva) e autor de "História do Brasil, Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (FTD)

roberson.co@uol.com.br


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