São Paulo, terça-feira, 31 de julho de 2007
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REDAÇÃO

"Fórmulas" não suprem falta de conteúdo

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

É possível que o tema proposto tenha soado difícil para os estudantes. Na maioria das redações enviadas ao Fovest, encontramos críticas à mídia, responsável, em última instância, pela ignorância da população, que se contenta em discutir o futebol e as telenovelas. Esse seria o motivo de as relações entre o poder e a igreja serem pouco debatidas na sociedade, o que, para muitos, era o tema de reflexão.
O texto que serviu de base para a proposta de redação, extraído de uma análise política publicada na Folha, referia-se ao fato de essa questão estar fora da agenda nacional. Boa parte dos estudantes, entretanto, entendeu a frase "Pouco se discute no Brasil sobre as relações entre igreja e Estado, religião e liberdades civis" como uma crítica às conversas informais que as pessoas travam no dia-a-dia sobre as novelas ou o futebol.
Muitos apresentam uma espécie de senso crítico moralista e autodepreciativo, talvez desenvolvido especificamente para a confecção de redações de vestibular, pretensamente para agradar ao examinador. Daí muitos estudantes afirmarem que o brasileiro é ignorante, que não discute sobre os assuntos sérios, que não gosta de política (é alienado), que não é "culto" etc.
O texto selecionado não foge à regra. Na introdução, atribui à mídia e vagamente à globalização e aos avanços tecnológicos a ausência de debate sobre religião e poder, aparentemente uma questão bizantina, totalmente inútil ou deslocada. É bom lembrar que o ideal é, desde o início, valorizar a discussão que se vai realizar, não o contrário, como foi feito. A redação não deve ser tratada como uma tarefa escolar que é preciso cumprir.
O desenvolvimento do texto é fraco: no segundo parágrafo, o redator tenta uma comparação com os Estados Unidos, mas é visível que lhe faltam informações suficientes para dar cabo dessa empreitada; no terceiro, faz um rearranjo difícil de decifrar das palavras do fragmento proposto como tema. A conclusão segue uma espécie de esquema tático: começar com a conjunção "portanto", dizer que seja lá o que for tem aspectos positivos e aspectos negativos e, finalmente, afirmar que "é preciso que haja conscientização por parte da população...".
Em suma, faltou focar o tema (o perigo do retorno da fé religiosa à esfera política). Sem estabelecer uma tese, não há como argumentar, muito menos como concluir um raciocínio, ainda que se tenha em mãos um formulário com lacunas a preencher. Melhor que seguir esquemas pré-fabricados é envolver-se no debate, valorizar o tema. Com essa atitude, é muito mais fácil desenvolver uma reflexão verdadeira.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha Online e do site gazetaweb.globo.com/

thaisncamargo@uol.com.br


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