São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2001

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Fotógrafo cearense Chico Albuquerque, morto na terça, aos 83 anos, terá livro "Mucuripe" lançado este mês

Um mar de imagens
Chico Albuquerque
Jangadeiros fotografados por Chico Albuquerque em um dos registros que ele fez em 1952 e publicou no livro "Mucuripe", sobre a praia e bairro de Fortaleza



Retratista trabalhou com Orson Welles no documentário "It's All True", filmado no Brasil em 1942

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O pai lhe deu uma filmadora, mas foi Orson Welles quem lhe deu a luz. Apesar da chancela, o cearense Chico Albuquerque tangenciou o cinema a favor de outra arte das imagens: a fotografia.
"Mucuripe", livro com 63 registros em preto-e-branco colhidos no ano de 52 na praia e bairro de Fortaleza -antes da voracidade turística-, que será lançado este mês (data a confirmar), transformou-se em homenagem póstuma involuntária ao fotógrafo que morreu na terça-feira passada, aos 83 anos, vítima de infarto.
Aos 15 anos, a pedido do pai, Ademar Bezerra Albuquerque, Chico filmou obras contra a seca no interior do Ceará, operando uma filmadora "à manivela".
Em 42, então com 25 anos, fez "still" (fotografias de cena) para uma das obras abortadas de Orson Welles, "It's All True" (É Tudo Verdade), sobre a saga dos jangadeiros cearenses na mítica viagem do cineasta norte-americano pelo Brasil.
"Ele dizia que aprendera com Orson Welles as noções de enquadramento no visor, a composição dos "pontos de ouro" na imagem e a valorização da luz natural mais "dura", da qual o diretor norte-americano não fugia na hora de filmar", diz Patrícia Velloso, 40, curadora de "Mucuripe" e do acervo de Chico em Fortaleza (cerca de 5.000 negativos e 200 retratos em papel; o MIS paulista guarda outros cerca de 60 mil negativos e 3.000 ampliações).
"Seu" Chico para os cearenses, Albuquerque para os paulistas, ele foi pioneiro da fotografia publicitária no Brasil (também credita influência, entre 34 e 45, dos alemães Stephan Rosenbauer e Erwin von Dessauer, que viviam no Rio). A primeira campanha ilustrada fotograficamente data de 49, para a Johnson & Johnson, quando já vivia em SP, onde atuou por 30 anos, entre 45 e 75.
Na sequência, Chico desenvolveu estudos para a primeira embalagem da caixa de sabão em pó Omo e a propaganda de lançamento da marca de automóvel Aero Willys, entre outras peças.
As três décadas da temporada profissional em São Paulo consolidaram seu talento. Passou da condição de retratista para fotógrafo publicitário, valorizando o ofício do qual não se imaginava transcender o estágio do lambe-lambe -como são chamados os fotógrafos ambulantes, atualmente em extinção (existem ainda no município cearense de Juazeiro do Norte, por exemplo).
Chico espocou flashes eletrônicos (depois de passar pelo recurso seminal da queima do magnésio) na direção de personalidades da vida política e artística.
A galeria inclui, entre outros, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Cacilda Becker, Victor Brecheret e Regina Duarte, esta clicada em 60, aos 13 anos, em campanha para os sorvetes Kibon.
Retornou em 75 para Fortaleza, sua cidade natal. Nunca deixou de produzir. Em 89, lançou a primeira edição de "Mucuripe", com tiragem de mil exemplares, distribuídos como brinde pelo grupo empresarial J. Macêdo. A obra contrapunha a praia do início dos anos 50 com a do final dos 80.
O tempo desenhou uma moldura idílica nas fotos de 52, exatamente dez anos depois do encontro com Orson Welles. As jangadas de tora, o chapéu de palha, a roupa tingida com casca de cajueiro, enfim, existem hoje apenas no plano da memória assegurada por Chico.
Seu sonho era ver a obra relançada no mercado editorial (chega revista e dedicada somente ao ano de 52). Ele conferiu a prova do livro no Natal. Morreu na madrugada seguinte. Era viúvo, tinha dois filhos.
Referência para os profissionais brasileiros, Chico teve seu último trabalho registrado em câmara digital, apesar de não ter computador. Fotografou as caixas pintadas pela irmã Maria Luciola para comercializar os produtos da doceria dela, a Balu, no bairro da Aldeota, em Fortaleza.
"Ele lamentava não ter vivido mais esta época de novas tecnologias", diz o fotógrafo Gentil Barreira, 47, que o acompanhou no último projeto.
A última exposição individual, "Chico Albuquerque - Fotografias", ocorreu no primeiro semestre de 2000, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Fortaleza).
São 200 imagens ampliadas, compreendendo o período de 1939 a 2000. Segundo a curadora Patrícia Velloso, a mostra deverá percorrer capitais como São Paulo, Rio, Salvador, Recife e Belém.


Livro: Mucuripe (63 fotos)
Autor: Chico Albuquerque
Editora: Terra da Luz (tel. 0/xx/85/261-0525)
Quanto: R$ 70 (108 págs.)
Patrocinador: Telemar





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