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"O COMPLEXO DE PORTNOY"/ ROMANCE
Lançada em 1969, obra maior do escritor norte-americano ganha reedição
Roth traz o hilariante desafogo de Portnoy
BERNARDO AJZENBEG
ESPECIAL PARA A FOLHA
Philip Roth publicou nos últimos 12 anos uma impressionante meia dúzia de romances
de primeira grandeza. Nesse período, amealhou vários prêmios e
consolidou-se como um dos
maiores escritores norte-americanos da atualidade.
Apesar de seu sarcasmo e ironia
refinada, de suas provocações picantes e cenas bizarras, apesar de
imperdíveis, nenhuma dessas
obras, porém, alcança "O Complexo de Portnoy" no grau de hilaridade e na maneira escancarada de tratar de coisas "simples"
como sexo e masturbação, preconceito, família, auto-erotismo,
complexo de Édipo.
Publicado em 69, esse romance,
que ganha nova tradução no Brasil (mais coloquial e mais fluente
do que a primeira, de 70), é uma
"transcrição" dos desabafos de
Alexander Portnoy, advogado judeu de Nova York, solteiro, ao seu
psicanalista. E, como em toda terapia que se preze, ninguém da família escapa.
O pai aparece como um moleirão vendedor de seguros, submisso à mulher, vítima de uma prisão
de ventre permanente e de um desespero mudo.
A mãe superprotetora, folclórica mãe judia, entra em pânico
quando descobre que o seu Alex,
criança, come hambúrguer escondido, ou quando constata que
ele, adulto, adquiriu um tapete
gasto, propenso a escorregões.
"Um homem judeu com os pais
vivos é um recém-nascido indefeso!", diz Portnoy ao dr. Spielvogel.
"Por favor, me ajude e depressa!
Me liberte desse papel de filho sufocado numa piada judaica! Porque está começando a perder a
graça aos 33 anos!".
Em outro trecho, o mesmo apelo: "Chega de ser um bom menino
judeu, agradando meus pais em
público e esfolando o ganso no
meu quarto!".
Quanto à irmã, Hannah, cinco
anos mais velha, basta citar um
episódio da adolescência do protagonista (ele está trancado no banheiro):
"(...) me inclino para a frente,
sentado no vaso, e com um gemido de um animal espancado esguicho três gotas quase totalmente líquidas no pedacinho de pano
em que minha irmã de dezoito
anos guarda os parcos seios que
tem. É meu quarto orgasmo do
dia. Quando é que vai começar a
sair sangue?".
Com óbvios traços autobiográficos, irônico e detalhista, Roth,
71, investe no relato de casos com
garotas não-judias, conflitos de
família pequeno-burguesa e recordações contraditórias, obcecadas, cáusticas.
Como no hilariante relato das
idas mensais com o pai à sauna (a
"shvitz"):
"Fico em posição de sentido entre as pernas de meu pai enquanto
ele me cobre da cabeça aos pés
com uma grossa camada de espuma de sabão e olho com admiração para o que pende do banco de
mármore em que ele está sentado.
Seu escroto parece um rosto comprido e encarquilhado de um velho com um ovo enfiado em cada
lado da papada caída, já o meu
lembra mais uma bolsinha mínima e rosada pendurada no pulso
de uma boneca de menina..."
Ele prossegue:
"Quanto ao "shlong" dele, a
mim, que tenho um pinto do tamanho da ponta de um dedo mínimo, ao qual minha mãe gosta de
se referir em público (está bem,
foi só uma vez, mas bastou essa
vez para durar a vida inteira) como a minha "coisinha", o "shlong"
dele me faz pensar nas mangueiras de incêndio que ficam enrodilhadas nos corredores da escola".
Nesse caudaloso desafogo, Portnoy implica com os "góis" (Jesus
aparece como o Maricas da Palestina) e com seus próprios pares
-"Me faça um favor, meu povo,
pegue seu legado de sofrimento e
enfie no cu porque por acaso eu
também sou um ser humano!".
Mas não escapa do dilema de se
sentir ao mesmo tempo atraído
por aqueles e amado por estes.
Chocante há 35 anos, "O Complexo de Portnoy" ainda o é na
atualidade. Menos, talvez, pelo
linguajar ousado e ferino do que
pela crueza com que, já um clássico do século 20, trata de problemas públicos e privados que, nesse período, só fizeram se exacerbar.
Bernardo Ajzenberg é autor dos romances "A Gaiola de Faraday" e "Variações Goldman", ambos pela editora Rocco, entre outros livros, e assessor-executivo do Instituto Moreira Salles
O Complexo de Portnoy
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59,50 (264 págs.)
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