VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

É bom começar o ano com o ímpeto e a coragem da comediante Dercy Gonçalves, 98. A TV Cultura exibe hoje "Dercy por Dercy - E por Alguns Amigos", episódio inédito da série "Brasileiros e Brasileiras", dedicada a biografias.
Estão desnudas a artista e a mulher. E dá-lhe frases explícitas de uma humanidade que encarna humor e dor. Sobre a vida: "Eu não deixei a banda passar", lembra ela, que fugiu de casa aos 17 anos para trilhar o ofício.
Sobre a fama de desbocada: "Eu sou uma gozadora", ri. Sobre a fé: "Sou religiosa à minha moda", confessa a devota para quem Deus não foi um pai, mas um "amante".
O programa vai até a cidade fluminense de Santa Maria Madalena, onde tudo começou. Vemos a foto de Dolores Gonçalves Costa, que aos 13 anos já era noiva de um circunspecto senhor de bigode. "O único amor da minha vida", ela sustenta, oito décadas depois. Dercy foi vedete na época em que subir ao palco era "coisa de prostituta". Falsa moral. "Eu era um anjo perto deles", diz, sobre os preconceituosos que tentaram abortar sua carreira.
O documentário co-dirigido por Delfino Araújo e Ricardo Carvalho reúne vozes de quem contracenou com Dercy, como familiares de Chacrinha e Mário Lago; os diretores Marcos Caruso e Haroldo Costa; e as companheiras de jogo, ora na tranca das quartas-feiras, ora na freqüência a bingos cariocas, face da Dercy que teme a solidão e, sobretudo, teme perder.