São Paulo, terça-feira, 01 de janeiro de 2008

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Crítica/cinema/"Meu Nome Não É Johnny"

"Johnny" complementa "Tropa de Elite"

Versão de livro-reportagem de Guilherme Fiuza faz a ligação entre crime e dinheiro da classe média no tráfico carioca

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

No início dos anos 90, "a cocaína tinha entrado na corrente sangüínea da cidade", escreve o jornalista Guilherme Fiuza em seu ótimo livro-reportagem "Meu Nome Não É Johnny" (editora Record). Esta circulação, que conduziu um jovem de classe média a satisfazer sua ambição de ascensão pela via única do tráfico, ganha cores e sons ainda à altura na versão para o cinema.
Para quem não se identificou apenas com o desejo de extermínio do capitão Nascimento em "Tropa de Elite", "Johnny" torna ainda mais claro como funciona o outro pólo de uma história já nossa velha conhecida, em que muito crime combina com pouco castigo.
Sem se deter demasiado em interpretações sociológicas, o filme acaba por enfatizar a "polêmica" a respeito da participação da classe média enquanto cúmplice na ascensão do tráfico no Rio nas últimas décadas.
Entretanto, de modo menos ambicioso que "Tropa", que tenta esboçar o mecanismo desta cumplicidade "inconsciente" ao denunciar sua base mercantil, "Johnny" expõe mais diretamente o poder econômico de transformação social da droga ao se concentrar na trajetória de seu personagem central. O fato de João Estrella ser um garoto como outro qualquer, no Rio dos anos 70, fornece o acréscimo de autenticidade (e de culpa) a esse relato.
Neste sentido, "Johnny" complementa o painel histórico, social e criminal do tráfico feito em "Cidade de Deus" e em "Tropa de Elite", dando a ele o elo que, nestas ficções, aparecia apenas de modo episódico. O jovem comum de classe média é o elemento que faz a circulação, que reúne as duas pontas que se alimentam e se abastecem: a do crime e a da grana.
Ainda uma vez, porém, a ficção dá um jeito de limpar a barra do espectador, para o qual a trajetória de ascensão e queda de João Estrella é oferecida dentro dos critérios da narrativa clássica, com sua lição de moral inequívoca na figura da culpa e da redenção.

Crônica social
De resto, "Johnny" recupera um tipo de cinema bastante salutar em suas ambições comerciais, numa clara inspiração no modelo do qual Antônio Calmon foi prodigioso nos anos 70 e 80. Sem precisar decalcar os modos dramatúrgicos de televisão, o filme recupera o formato de crônica social, com personagens multifacetados e uma dinâmica narrativa bastante eficaz (que o roteiro, assinado pelo diretor Mauro Lima e pela produtora Mariza Leão, guarda da estrutura do livro que lhe deu origem).
Quando Calmon migrou para a TV, o cinema brasileiro perdeu parte de sua habilidade em oferecer, sem pretensões, ao público jovem de classe média filmes capazes de traduzir o espírito de época. Havia naqueles filmes também uma vocação de se comunicar com quem vai ao cinema, sem para isso adotar a via de mão única do escapismo.
Com excelente acabamento técnico e eficiência narrativa, "Johnny" busca restabelecer, de modo semelhante, esta comunicabilidade de um modo profissional, sem ambições desmesuradas e até com uma pitada de consciência social.
Para quem se queixa que o cinema brasileiro só mostra sertanejo e favelado, vem suprir a falta de um personagem à sua imagem e semelhança.


MEU NOME NÃO É JOHNNY
Direção:
Mauro Lima
Produção: Brasil, 2007
Com: Selton Mello, Cléo Pires
Quando: pré-estréias a partir de hoje no Eldorado, Bristol, Shopping D e circuito; estréia na próxima sexta
Avaliação: bom


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