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DEBATE
Diretor argentino chega hoje a Porto Alegre para participar do 1º Fórum Mundial Audiovisual, que começa domingo
Solanas defende a televisão pública
SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE
"Sem democratizar o cinema e a
televisão, dificilmente transformaremos nossas sociedades."
Com propostas práticas para modificar a política de audiovisual na
América Latina e cheio de ressentimento para com os governantes
argentinos, chega hoje a Porto
Alegre o cineasta portenho Fernando Solanas, 65.
Um dos mais importantes diretores argentinos do momento
-entre seus filmes mais destacados estão "A Nuvem" (1998) e
"Los Hijos de Fierro" (1972)-
vem ao Brasil para participar do 1º
Fórum Mundial Audiovisual, que
ocorre dentro do Fórum Mundial
Social, sediado a partir desta semana na capital gaúcha.
O encontro, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura do
Rio Grande do Sul e pelo Congresso Brasileiro de Cinema, reúne cineastas e profissionais da
área do audiovisual e pretende
discutir políticas públicas para o
setor, mecanismos de proteção e a
relação entre produções locais e a
indústria cultural americana. O
fórum do audiovisual acontece
domingo e segunda no teatro do
Centro de Eventos da PUC-RS.
Entre as presenças confirmadas
estão Robert Guediguian e Jean
Druon (França), Jorge Sanchez
(México), Nelson Pereira dos
Santos, Roberto Farias e Suzana
Amaral (Brasil).
Também acontece, até dia 8,
uma mostra de filmes (com ingressos a R$ 3) na Casa de Cultura
Mario Quintana, na Usina do Gasômetro e no cine Santander Cultural, todos na capital gaúcha.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Solanas
concedeu à Folha.
Folha - Na sua opinião, que papel
tem o audiovisual na integração
dos países do Mercosul?
Fernando Solanas - A democratização do audiovisual e da rede televisiva é um ponto fundamental
do Mercosul. Um Mercosul que
eu defendo que vá do Caribe à
Terra do Fogo. Precisamos assumir que na América Latina hoje
não existe um outro meio de impacto cultural e de influência no
gosto, na moda e nas idéias das
grandes maiorias que a televisão.
Isso é um fator de destruição de
nossas identidades culturais, e
nos está faltando um instrumento
para transformar as consciências.
Esse instrumento pode ser conseguido por meio de novas leis que
precisam ser criadas.
Folha - Qual modelo de televisão
o senhor defende?
Solanas - A televisão na América
Latina resume a cultura, o entretenimento, o esporte e a informação. Mas é uma televisão que se financia por anúncios dos grandes
grupos econômicos e, por isso,
acaba por se apresentar de forma
fortemente americanizada como
modelo cultural. Não estou negando o talento da televisão latino-americana, e a brasileira merece destaque. Mas não é possível
que o cinema do Brasil e da Argentina não estejam sendo exibidos nas nossas emissoras. Não vejo uma explicação para isso. Converteram expressões profundas
de nossas sociedades, como a literatura, o cinema e o teatro, numa
zona marginal de nossas culturas.
Folha - Qual seria a solução?
Solanas - Enquanto não democratizarmos os aparatos das redes
televisivas, será muito difícil a
transformação social e democrática dos nossos países. Isso só pode ser feito por meio de leis públicas. Essa nova legislação tem de
assegurar uma informação objetiva, diversificada e verdadeira.
Precisamos ter consciência de que
informação e comunicação são
direitos dos cidadãos, são serviços
públicos. Não é possível que, num
continente onde a televisão é o
principal instrumento de educação, informação e entretenimento
de tantos milhões de pessoas, não
tenhamos desenvolvido ainda a
prática de debater sobre o modelo
de comunicação que queremos.
Precisamos assegurar conteúdos
democráticos, pluralismo cultural
e informativo.
Folha - Em termos práticos...
Solanas - Minha proposta, que
defendo desde que fui deputado, é
a criação de um canal regional do
Mercosul. Seria um canal a cabo
ou por satélite. Acho que é um outro escândalo o fato de que nos
noticiários da Argentina e do Brasil não exista um tempo dedicado
um ao outro. Não pode haver integração do Mercosul se não houver mais comunicação cotidiana
entre os dois.
Nesse canal que proponho, haveria uma redação composta por
profissionais de países do Mercosul. Teria de ter como objetivo ser
um canal de excelência, como a
BBC de Londres, um canal criativo e voltado à cultura, onde atuassem nossos melhores talentos jornalísticos e artísticos.
Folha - O cinema argentino se encontrava num excelente momento
em 2001, quando explodiu a crise
política e econômica. O que acredita que vá acontecer com a produção local?
Solanas - A cultura, como sempre, fica em último lugar em momentos como esse. Desde que
caiu o governo De la Rúa, ainda
não se nomeou o secretário de
Cultura. Isso é gravíssimo, porque
estão concluindo o Orçamento de
2002 e não sabemos quem defendeu o dinheiro da cultura. Se é que
o fizeram.
Folha - O senhor propôs um Mercosul do Caribe à Terra do Fogo. Como ele seria?
Solanas - Teria de ser uma aliança baseada em democracia participativa e que buscasse, além das
soluções econômicas, restaurar os
direitos de cidadania que estão
sendo burlados. A principal ofensa à cidadania é trair o mandato
do voto. Na Argentina, isso se tornou uma coisa corriqueira. Votamos e no dia seguinte o presidente está a serviço de outras políticas. É como se tivessem entendido que, com o voto, ganham um
direito privado, uma propriedade. Não entendem que um governo é um serviço. O que acho mais
grave no caso da Argentina é que
não há nenhuma penalidade contra a traição da vontade popular.
Folha - Analistas dizem que a Argentina tornou-se um exemplo de
como a aplicação do sistema neoliberal pode ser prejudicial a um país
do Terceiro Mundo. Concorda com
isso?
Solanas - Sim, claro. Além de
termos personagens que colaboraram para agravar esse quadro,
como Menem e Cavallo, o que
tem sido mais perverso é o modelo que adotamos. Foi uma lição ao
fundamentalismo do Fundo Monetário Internacional, para quem
a Argentina era um exemplo, um
aluno que obedecia e fazia os deveres com a cabeça abaixada.
Nossa experiência é uma dolorosa
lição.
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