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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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Duelo de consciências

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Madri, meados do século 19. Num passado não muito longínquo, a esgrima, assim como a monarquia, era um símbolo de poder, riqueza e status social naquela vetusta metrópole ibérica.
No ano de 1868, entretanto, a história começava a mudar e tanto uma como a outra começavam a ver-se em maus lençóis. A popularidade do aristocrático esporte de luta despencava proporcionalmente à simpatia que os espanhóis nutriam pela coroa. Vozes destoantes -de republicanos, democratas e progressistas em geral- uniam-se para enfrentar a monarquia. Em setembro, os revoltosos triunfam, obrigando a rainha Isabel 2ª de Bourbon a exilar-se.
É nessa Espanha às vésperas de um levante, conturbada pela instabilidade política e dividida entre seus antigos valores e os que eram oferecidos pela modernidade que se avizinhava que Arturo Pérez-Reverte situa "O Mestre de Esgrima".
Lançado na Espanha em 1988, antes de o autor celebrizar-se como um controvertido best-seller com livros como "Las Aventuras del Capitán Alatriste" (96) ou "La Piel del Tambor" (98), o livro é um romance "policial-histórico" regado à sangue e ritmado por toques de floretes.
O mestre em questão é Jaime Astarloa, um sexagenário professor de esgrima, monarquista, que se recusa a abandonar seus hábitos aristocráticos, considera a honra pessoal o mais importante tesouro de um homem e resiste a deixar-se envolver pelo fervilhante debate político que assiste nas ruas e cafés.
Eis que surge em sua vida uma mulher. Independente e desafiadora, Adela de Otero pede a ele que a ensine seu golpe mais certeiro, a estocada dos duzentos escudos. O velho professor se recusa. Não concebe ensinar esgrima a uma mulher, quanto mais confiar a uma mente -e a um corpo- feminino o seu golpe mais precioso, resultado de toda uma vida de dedicação.
Adela seduz o mestre e arranca-lhe o aprendizado da valiosa estocada. Assim que aprende o golpe, desaparece de sua vida.
A partir daí, uma série de trágicos eventos transtornam a vida de Astarloa. Seu aluno mais querido, o marquês de los Alumbres, aparece morto com um golpe de florete, logo é a vez de uma mulher da nobreza e, na sequência, um de seus melhores amigos, um jornalista engajado na causa revolucionária.
Astarloa recusa-se a assumir um papel de protagonista na cadeia de acontecimentos terríveis que se constrói à sua volta. Também não aceita ver relação entre estes e o cenário político.
Acredita que, se continuar a viver segundo seus costumes e valores, alicerçados na ordem monárquica, não terá razões para se preocupar -será inocentado pela retidão de sua história pessoal. Não percebe, mas logo passa a mentir, a acobertar equívocos alheios e os seus próprios. Perde-se ao negar uma busca pela legitimidade de seus atos.
Reverte parte de uma metáfora da Espanha em mutação para construir Astarloa. Ambos se apresentam hesitantes entre seu passado e futuro, tomam atitudes desencontradas e, por fim, salvos mais por sua inocência diante dos acontecimentos do que por reações elaboradas, são levados pelo motor da própria história a transformar-se.
É o bastante para fazer de "O Mestre de Esgrima" uma boa novela de certo polimento histórico -recurso seguramente útil para o marketing de seu lançamento. Reverte é um narrador talentoso, que economiza nas descrições -o que muitas vezes é um mérito entre os que se metem a romancear eventos consagrados. Mas é só. Comete exageros e chega a soar pedante em seu afã por dar lustro intelectual ao que é, apenas, um bom romance de suspense.


O Mestre de Esgrima
El Maestro de Esgrima    



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