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Duelo de consciências
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Madri, meados do século
19. Num passado não
muito longínquo, a esgrima, assim como a monarquia, era um
símbolo de poder, riqueza e status social naquela vetusta metrópole ibérica.
No ano de 1868, entretanto, a
história começava a mudar e
tanto uma como a outra começavam a ver-se em maus lençóis.
A popularidade do aristocrático
esporte de luta despencava proporcionalmente à simpatia que
os espanhóis nutriam pela coroa. Vozes destoantes -de republicanos, democratas e progressistas em geral- uniam-se
para enfrentar a monarquia. Em
setembro, os revoltosos triunfam, obrigando a rainha Isabel
2ª de Bourbon a exilar-se.
É nessa Espanha às vésperas
de um levante, conturbada pela
instabilidade política e dividida
entre seus antigos valores e os
que eram oferecidos pela modernidade que se avizinhava
que Arturo Pérez-Reverte situa
"O Mestre de Esgrima".
Lançado na Espanha em 1988,
antes de o autor celebrizar-se
como um controvertido best-seller com livros como "Las
Aventuras del Capitán Alatriste" (96) ou "La Piel del Tambor"
(98), o livro é um romance "policial-histórico" regado à sangue
e ritmado por toques de floretes.
O mestre em questão é Jaime
Astarloa, um sexagenário professor de esgrima, monarquista,
que se recusa a abandonar seus
hábitos aristocráticos, considera a honra pessoal o mais importante tesouro de um homem
e resiste a deixar-se envolver pelo fervilhante debate político
que assiste nas ruas e cafés.
Eis que surge em sua vida uma
mulher. Independente e desafiadora, Adela de Otero pede a
ele que a ensine seu golpe mais
certeiro, a estocada dos duzentos escudos. O velho professor
se recusa. Não concebe ensinar
esgrima a uma mulher, quanto
mais confiar a uma mente -e a
um corpo- feminino o seu golpe mais precioso, resultado de
toda uma vida de dedicação.
Adela seduz o mestre e arranca-lhe o aprendizado da valiosa
estocada. Assim que aprende o
golpe, desaparece de sua vida.
A partir daí, uma série de trágicos eventos transtornam a vida de Astarloa. Seu aluno mais
querido, o marquês de los
Alumbres, aparece morto com
um golpe de florete, logo é a vez
de uma mulher da nobreza e, na
sequência, um de seus melhores
amigos, um jornalista engajado
na causa revolucionária.
Astarloa recusa-se a assumir
um papel de protagonista na cadeia de acontecimentos terríveis
que se constrói à sua volta. Também não aceita ver relação entre
estes e o cenário político.
Acredita que, se continuar a
viver segundo seus costumes e
valores, alicerçados na ordem
monárquica, não terá razões para se preocupar -será inocentado pela retidão de sua história
pessoal. Não percebe, mas logo
passa a mentir, a acobertar equívocos alheios e os seus próprios.
Perde-se ao negar uma busca
pela legitimidade de seus atos.
Reverte parte de uma metáfora da Espanha em mutação para
construir Astarloa. Ambos se
apresentam hesitantes entre seu
passado e futuro, tomam atitudes desencontradas e, por fim,
salvos mais por sua inocência
diante dos acontecimentos do
que por reações elaboradas, são
levados pelo motor da própria
história a transformar-se.
É o bastante para fazer de "O
Mestre de Esgrima" uma boa
novela de certo polimento histórico -recurso seguramente
útil para o marketing de seu lançamento. Reverte é um narrador talentoso, que economiza
nas descrições -o que muitas
vezes é um mérito entre os que
se metem a romancear eventos
consagrados. Mas é só. Comete
exageros e chega a soar pedante
em seu afã por dar lustro intelectual ao que é, apenas, um
bom romance de suspense.
O Mestre de Esgrima
El Maestro de Esgrima
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