São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Por trás da fama

TVs se armam para enfrentar avalanche de projetos de controle da programação

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem todo mundo que trabalha na TV quer aparecer. Avessos a entrevistas e publicidade, os lobistas das grandes redes só buscam ibope no Congresso, onde atuam para defender interesses do setor.
Em 2004, essas "celebridades" dos corredores, representantes de um dos mais poderosos lobbies do país, deverão ter muito trabalho: a TV espera para este ano uma avalanche de projetos de controle da programação.
Em 2003, o número de propostas relacionadas à radiodifusão (rádio e televisão) cresceu 400% em relação a 2002. Foram 119 tramitando pelo Congresso.
Os projetos podem ser enquadrados basicamente em três categorias. A primeira seria a dos que beneficiam as TVs, como a redução de impostos. Normalmente, são apresentados por deputados a pedido de executivos e até proprietários de empresas de TV.
A segunda categoria fica com os contrários a seus interesses. Aí seria incluída a maioria dos que propõem controlar a programação de alguma maneira (proibir propaganda de cigarro, obrigar a transmitir a "Voz do Brasil).
Por último, vêm as chamadas "idéias que caem de pára-quedas na radiodifusão". Criar um canal só sobre energia nuclear e proibir a divulgação da quantidade de drogas apreendidas pela polícia estão dentre os exemplos.
Na prática, os lobistas atuam para levar adiante o que interessa e emperrar os outros. Para isso, "moram" no Congresso, acompanhando reuniões de comissões, entrando em gabinetes e abordando políticos nos corredores.

Mapa da mina
Além desses executivos (Globo, SBT, Record e Band têm representantes de peso em Brasília), as redes contam com a assessoria parlamentar da Abert (Associação de Emissoras de Rádio e TV).
A função está nas mãos de Stella Cruz, 50, desde 2000. Ela começou a circular no Congresso em 1986, como assessora parlamentar de outros setores. Às terças, quartas e quintas, passa o dia entre Câmara e Senado, armada de celular, laptop e palmtop. Tem na cabeça o mapa de parlamentares "simpáticos" aos interesses das TVs e dos "adversários".
"Faço uma triagem dos projetos que não nos incomodam. Esses, a gente só monitora. Mas há os que temos de acompanhar, quando há algum ponto que não interessa à radiodifusão. São os mais nevrálgicos, aqueles em que nossa ação é mais efetiva", diz Cruz.
"Aí "trabalhamos" o deputado, ou seja, tentamos formar nele uma opinião. E não é no papo, mas com dados do setor."
Em alguns casos, monta-se um esquema de mobilização. Os presidentes das entidades regionais ligadas à Abert são acionados para contatar o deputado conterrâneo. "Quando é um parlamentar a que não temos acesso, pedimos auxílio para algum radiodifusor da mesma região do político."
Cruz trabalha em parceria com os lobistas das grandes redes. Muitas vezes, reuniões importantes acontecem simultaneamente.
"Quarta-feira é o dia "top", quando as comissões vitais para nós se reúnem. Aí fico saindo de uma sala e indo para outra. Divido o trabalho com outros profissionais da Abert e com o pessoal das TVs. Globo, Record e SBT têm uma boa equipe aqui em Brasília. Ficamos ligando um para o outro, trocando informações", diz.
As TVs também fazem o papel de pedir aos políticos que proponham leis de seus interesses. "Normalmente, assuntos mais macros, de relevância empresarial, são conversados entre o parlamentar e o executivo da TV ou o próprio dono. E a gente atua fazendo monitoramento, vendo se o que foi conversado foi feito."

Jogo
Segundo Stella Cruz, costuma-se saber o conteúdo de um projeto antes mesmo de ele ser apresentado. Assim, é possível até evitar que algo contrário aos interesses das TV entre na pauta. "Normalmente sabemos antes o que vai ser proposto, porque é um convívio diário. Às vezes, o próprio deputado nos conta. Outras, ouvimos nos corredores."
De acordo com a assessora da Abert, a maior parte dos congressistas a recebe bem. "Há alguns muito difíceis de falar, pelo volume de trabalho que têm. Aí a gente consegue conversar no corredor, por dois minutos e olhe lá."
As reuniões com os autores de propostas que desagradam as TV não são tão fáceis. "O deputado me recebe bem, mas diz: "Estou fechado com esse projeto e não mudo uma vírgula". Eu respondo: "Então, deputado, infelizmente vamos ter de trabalhar contra essa proposta". E o jogo começa."


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