São Paulo, sexta-feira, 01 de março de 2002

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TEATRO

Dirigida por Cibele Forjaz, estréia em SP peça de Tennessee Williams

Paradoxos do desejo guiam bonde da Companhia Livre

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Criada há três anos em São Paulo, a Companhia Livre (de "Toda Nudez Será Castigada", "Os Sete Gatinhos") cultiva uma máxima: "As pessoas valem mais do que as coisas", afirma a atriz e diretora Cibele Forjaz, 35.
Na nova montagem da companhia, porém, a protagonista desmorona em cena e leva a reboque aqueles com quem compactua um torvelinho de desilusões.
Em "Um Bonde Chamado Desejo", cuja montagem estréia hoje no Sesc Belenzinho, Tennessee Williams (1911-83) conduz sua Blanche Dubois por paredes sombrias da existência, labirinto quatro por quatro de um "corticinho", ilustra Forjaz, que pode ser de Nova Orleans (EUA), onde originalmente se passa a história, ou dos Campos Elíseos, bairro do centro paulistano.
Numa visita à irmã Stella, que está grávida, a professora de literatura Blanche Dubois como que leva o derradeiro empurrão para a queda vertiginosa desencadeada por fatos do passado recente.
Fragilizada pela acusação de assédio aos alunos, que a leva à expulsão do colégio; pela morte do marido, que comete suicídio depois de ser flagrado na cama com outro homem; e pela sujeição à prostituição, para citar algumas zonas obscuras, Dubois (interpretada por Leona Cavalli) é exposta a um jogo implacável.
A "ficha corrida" acima vem à tona por incitação de Stanley Kowalski (Milhem Cortaz, de "A Boa"), movido por instinto animal de defesa de território, antagonista arredio, mas que se deixa envolver por Dubois e vice-versa, num dos muitos paradoxos da teia armada por Williams.
Entre desejos e contradesejos, disputam espaço (afetivo, emocional, insano) em uma casa diminuta, sob cumplicidade de Stella (Isabel Teixeira). Juntam-se a eles um quarto personagem, Harold Mitchell (João Signorelli), amigo do casal que também desperta paixão em Dubois.
"Fica todo mundo fechado ali naquele cubículo, acreditando que quem conseguir vencer será o são", afirma Forjaz. Tal intimidade forçada é estendida aos espectadores, dispostos em arquibancada sobre o palco (200 lugares). Forjaz diz "adorar o mar que fica entre a realidade dos personagens e um rio subterrâneo que persegue todos os acontecimentos".
Melodrama acentuado em Nelson Rodrigues, a Cia. Livre mergulha agora no realismo de Williams. Leona Cavalli (Prêmio Shell 2001 de melhor atriz por "Toda Nudez Será Castigada") identifica-se com os dois dramaturgos. "Tanto a Geni quanto a Blanche são personagens de obras-primas dos autores", diz Cavalli, 32. "Elas têm um sentido profundo das relações humanas."
A atriz procura desvendar enigmas em meio à humanidade latente. "As grandes personagens femininas têm relação com a beleza e a delicadeza como subtexto. A Blanche é a única que conheço que apresenta essa sutileza como texto, um contraponto à brutalidade do Stanley, mas que também se reflete no lado escuro da própria personagem", afirma Cavalli.
Forjaz vê em Leona Cavalli simbiose com o "estado de alma" da personagem. "A Blanche é um pouco a metáfora do artista de teatro, da atriz que acredita na fantasia como forma de transformar o mundo, acredita que a realidade é aquilo que a gente inventa, a realidade transfigurada", diz.
O espetáculo tem cenografia e figurinos concebidos por Simone Mina. A luz é de Alessandra Domingues. A composição musical, de Cacá Machado.
Além do Sesc, a produção soma apoio da atriz Louise Cardoso, que bancou cerca de US$ 10 mil para aquisição dos direitos autorais da peça.


UM BONDE CHAMADO DESEJO.
De:Tennessee Williams.
Tradução: Vadim Nikitin.
Direção: Cibele Forjaz.
Com:Leona Cavalli, Milhem Cortaz, Peterson Negreiros, Eudes Figueiredo, Dora Carvalho, Vanessa Poitena.
Onde: Sesc Belenzinho - teatro (av. Álvaro Ramos, 991, tel. 0/xx/11/6605-8143).
Quando: estréia hoje, às 20h; de sex. a dom., às 20h. Até 28/4.
Quanto: R$ 12.


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