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Marilyn Monroe inspira "épico americano" de tonalidade trágica
Ambição loira
Associated Press
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Joyce Carol Oates |
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Magérrima, com um olhar profundamente perscrutador, Joyce
Carol Oates, 63, pode ser considerada a antípoda de Marilyn Monroe (1926-62). Mas a premiada
escritora, autora de mais de 30 títulos, várias vezes cogitada para o
Nobel, não só escolheu a vida da
atormentada atriz como matéria-prima ficcional, mas também a
transformou no romance mais
ambicioso de toda a sua carreira.
Com mais de 700 páginas,
"Blonde", que será lançado pela
Globo este mês, foi inicialmente
concebido como uma pequena
novela, que se encerraria quando
a aspirante à atriz Norma Jeane
Baker tivesse recebido o nome de
Marilyn Monroe e começasse sua
trilha rumo à fama. "Mas à medida que escrevia o romance e fazia
minhas pesquisas", diz Oates, "fui
tomando consciência dela como
um ser humano concreto e não
pude mais parar naquele momento artificial".
O resultado é, como define a autora, um grande "épico americano" de tonalidade trágica. Da infância ao primeiro casamento
com dezesseis anos, do relacionamento com a mãe esquizofrênica
e a experiência como "pin-up" até
o estrelato, as drogas e o caso com
John F. Kennedy, que pode ter-lhe
custado a vida: está tudo ali, embora nem tudo possa ser tomado
ao pé da letra.
Em nome da arte, Oates toma
imensa liberdade com o material.
Sua Marilyn também lê Freud e
Schopenhauer. Escreve poesia.
Oates descreve as fantasias e os
delírios da atriz. A certa altura,
mostra Marlon Brando, um dos
supostos amantes de Marilyn, desacordado numa banheira em
meio ao próprio vômito.
Publicado nos EUA em 2000,
"Blonde" foi adaptado como minissérie pela TV americana em
2001, com a australiana Poppy
Montgomery no papel de Marilyn. Oates também já teve lançado no final do ano passado, nos
EUA, seu mais recente romance,
"I'll Take You There" (eu te conduzirei até lá), previsto para sair
em 2004 no Brasil. Leia a seguir
trechos da entrevista que a escritora norte-americana deu à Folha, por telefone, de Nova Jersey.
Folha - A sra. foi muito criticada
por misturar fato e ficção em seu
romance.
Joyce Carol Oates - Acho que este
é um problema perene na arte.
Em suas peças históricas, Shakespeare, por exemplo, mostra muitos eventos históricos transformados em símbolos, em lendas.
Quando vemos uma peça de Shakespeare, sabemos que não estamos diante da história. Ao criar
um romance, ao contrário de
uma biografia, temos de ser seletivos. Escrevi sobre uma fatia muito pequena da vida de Marilyn
Monroe. Mas críticos sempre estão dispostos a criticar algo. Se
houvesse mais sexo no romance,
teria sido isso.
Folha - Mesmo assim, há coisas
que nos deixam curiosos. Marilyn
leu realmente todos os livros mencionados em "Blonde"?
Oates - Ela foi uma leitora contumaz. Vi a biblioteca dela, que estava à venda em Nova York, numa
casa de leilão. Surpreendentemente, havia livros de Freud, de
Faulkner...
Folha - De Schopenhauer?
Oates - Na verdade, o que sabemos é que um fotógrafo amigo
dela é quem estava lendo Schopenhauer. Ela não teve uma educação formal, o que talvez fosse mais
comum no passado do que hoje.
Mas, de um modo bastante esperançoso e ingênuo, fez questão de
manter-se instruída. Lia o tempo
todo, mesmo sem entender.
Folha - E peças?
Oates - Ela leu todas as de Tennessee Williams e estava interessada em Tchekhov.
Folha - A senhora descreve Marilyn como alguém ao mesmo tempo brilhante e ingênua. Qual desses lados da personalidade da atriz
mais contribuiu para sua tragédia?
Oates - A ingenuidade. Ela queria ser confiável. Tentou muito ser
reconhecida como boa atriz. Queria acreditar no que lhe diziam.
Mas não saberia dizer se foi brilhante, não no sentido de ter sido
cética ou curiosa. Acho que tinha
uma inteligência inata, mas tinha
limites.
Folha - Em "Blonde", a senhora
sugere que Marilyn foi assassinada. Por quem?
Oates - O final do romance é ambíguo. Não há uma certeza real se
foi assassinada ou se imaginou isso, pois tinha ingerido drogas. Na
pesquisa que fiz, depende de
quem você lê. Há pessoas que
crêem na hipótese de crime, por
alguém associado aos Kennedys.
Outros autores acham que ela cometeu suicídio. Há ainda a suposição de uma overdose acidental.
Folha - E a senhora, o que pensa?
Oates - Todas as hipóteses são
plausíveis. Mas acho estranho
que, após ter morrido, alguém tenha entrado na casa dela. Ela sofreu uma lavagem estomacal e
seus registros telefônicos foram
apagados. Alguns objetos sumiram. Tudo antes de a polícia chegar. Há sempre um mistério
quando o FBI interfere nos assuntos dos cidadãos.
Folha - Marilyn foi obrigada a matar Norma Jeane, para ter sucesso?
Oates - Marilyn foi um papel público desempenhado por Norma
Jeane. Mas Norma Jean sempre
esteve lá, mesmo quando o público esperava Marilyn Monroe. Ao
nos tornarmos célebres, ficamos
mais isolados. Por isso, muitas
pessoas famosas preferem ficar
com a família e os amigos, em vez
de sair. Conheço muitas celebridades assim, que se sentem mais à
vontade privadamente do que em
público.
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