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LIVRO/LANÇAMENTO
POLICIAL
Em "Nossa Senhora da Solidão", Marcela Serrano ambienta trama de perseguição no México, na Colômbia e no Chile
Guerrilha recebe visita do romance noir
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
É como se Dashiell Hammett
(1894-1961) decidisse dar uma
volta na Medellín de hoje. Ou se
Raymond Chandler (1888-1959)
se perdesse nos panelaços na Argentina. Em "Nossa Senhora da
Solidão", a chilena Marcela Serrano, 52, construiu uma novela com
elementos do noir norte-americano, mas ambientada em cenário e
contexto da América Latina de
nossos dias.
No lugar da femme fatale daqueles romances, entra Rosa Alvallay, detetive chilena de meia-idade, gordinha, divorciada. Seu
objetivo é encontrar uma outra
mulher, Carmen Ávila, uma famosa escritora casada com um
respeitado reitor de Santiago, que
desapareceu sem deixar vestígios.
As únicas pistas levam a um comandante da guerrilha colombiana, com quem tinha mantido um
romance e que, especula-se, poderia tê-la sequestrado.
Rosa logo encontra a pista de
Carmen no México. Para seguir
em seu encalço, decide estudá-la.
Lê seus romances, encontra os
homens com quem se relacionou
e acaba por refletir acerca de suas
próprias escolhas a partir das atitudes da escritora.
Depois de decolar em Santiago,
a ação desenrola-se na Cidade do
México e termina na mítica Oaxaca -cidade que guarda as raízes
da cultura indígena mexicana.
Serrano, autora de "Nosotras
que nos Queremos Tanto" (1994),
vencedora dos prêmios Planeta,
da Feira de Guadalajara e do Sor
Juana Inés de la Cruz, é sucesso
editorial na Espanha. Viveu no
exílio durante a ditadura do general Augusto Pinochet e preferiu
não retornar a seu país depois da
transição democrática.
Do México, onde vive, Serrano
falou com a Folha.
Folha - Romances noir costumam
reforçar ambiguidades e imperfeições dos personagens e geralmente estão ambientados em sociedades de valores corrompidos. Como
relacionar estas características
com o contexto latino-americano?
Marcela Serrano - Creio que o romance noir é uma magnífica arma de denúncia mascarada. Isto
porque seus heróis sempre nascem e vivem do lado dos vencidos, venham do país ou continente que for. É verdade que o local
de nascimento do romance noir
são os Estados Unidos da época
da Depressão, onde a incerteza, a
insegurança e o medo em relação
ao amanhã eram enormes. Quis
transpor esse ambiente às nossas
realidades.
Folha - O que quis acrescentar a
essa fórmula?
Serrano - Talvez o elemento
mais específico da literatura latino-americana que trouxe para o
livro seja justamente o forte peso
do nosso passado. Os protagonistas do romance noir são naturalmente anti-heróis. Na América
Latina, esses anti-heróis carregam
também o legado de sua história
e, graças a ele, podem enfrentar situações difíceis com galhardia.
Em seus corações aparentemente tão duros, guardam um
pouco de ilusão, que lhes foi ensinada, inevitavelmente, pelo passado, que é sempre um pouco político e um pouco ideológico.
Folha - O conceito de feminismo e
de literatura feminista hoje em dia
ganhou uma conotação pejorativa.
Qual é sua opinião sobre isso?
Serrano - Considero-me feminista e, como este conceito tem sido satanizado, me apresso em explicar que entendo o feminismo
como um novo humanismo.
Nunca me defini como "escritora
feminista", temo que fazê-lo me
levaria a uma literatura panfletária. Foi uma opção o fato de que o
gênero a que pertenço passasse a
abarcar a minha escrita.
Folha - Que pensa das três crises
mais graves que vive a América Latina hoje, a venezuelana (com o
turbulento governo de Chávez), a
argentina (com a instabilidade
econômica) e a colombiana (com a
guerrilha e o narcotráfico)?
Serrano - Vivemos uma das piores etapas de nossa história. E os
três exemplos que aponta resumem o drama atual. Mas acho
que a história recente desconstruiu os mitos construídos pelos
ultraliberais. Agora o terreno está
de novo livre e é possível voltar a
pensar em projetos nacionais.
NOSSA SENHORA DA SOLIDÃO.
Autora: Marcela Serrano. Tradução:
Paulina Watch e Ari Roitman. Editora:
Record. Preço: R$ 28 (172 págs).
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