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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"TAO TE KING"

Obra chinesa, cuja primeira versão data de cerca de três séculos antes da era cristã, tem edição brasileira

Lao Tzu traça doutrinas para o mundo

NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA

O "Tao te King" (título traduzido como "Livro do Caminho e da Virtude") do chinês Lao Tzu -autor legendário cujo nome quer dizer Velho Mestre- é um dos clássicos mais breves e atraentes da literatura universal.
O clássico chega às livrarias brasileiras em duas novas edições: uma com tradução do chinês por Mario Sproviero (Hedra) e outra, do inglês, por Waldéa Barcellos (Martins Fontes).
Se bem que tenha levado centenas de anos para alcançar a forma como é hoje em dia conhecido, sua primeira versão data de cerca de três séculos antes da era cristã, e, a cada década, arqueólogos encontram versões ou fragmentos mais antigos.
Na China, onde foi escrito, o livro se tornou logo uma obra sagrada. É também o documento fundador do taoísmo -movimento introspectivo, contemplador, que se contrapôs ao confucionismo, que, com sua ênfase na piedade filial, na obediência ao soberano e na manutenção da ordem, manteve até o fim do império o estatuto de doutrina oficial.
Pequeno breviário composto de 81 capítulos em verso e/ou prosa poética, o "Tao Te King", desde que alcançou o Ocidente, tem despertado um interesse não só filosófico, mas também enquanto desafio à tradução, já que o texto de que dispomos é, entre as obras consagradas, talvez o mais aberto que existe, e isto ocorre por três razões: suas próprias características, sua história e a natureza da língua chinesa.
O que o "Velho Mestre" (este, aliás, um dos nomes alternativos do tratado) faz é alinhavar conselhos e preceitos que podem ser aplicados seja à conduta da vida privada, seja à administração do Estado, seja, inclusive, à interpretação do mundo.
Os termos-chave, a começar por "tao" (caminho) e "te" (virtude) são ambíguos, polivalentes e seu sentido, nunca definitivo, sempre inexaurível, está tanto no texto quanto na consciência do leitor, que pode, por seu turno, ser mediada pelas hipóteses interpretativas dos exegetas e pelo trabalho dos tradutores.
Como qualquer outro texto que coalesceu durante centenas de anos, o livro é produto não só dos que ativamente o compuseram, mas também de acidentes históricos, alguns sabidos (interpolações, corruptelas, palavras cujos sentidos se alteraram ou se perderam), a maioria mal imaginada.
Daí que qualquer versão ou interpretação que se privilegie, mais do que uma leitura, envolve uma interpretação prévia de sua história. Considerando que o que se sabe a respeito dessa aumenta sem cessar, o passado do livro continuará mudando no futuro.
O chinês é, ao extremo, uma língua isolante, o que quer dizer que, bem mais do que nos idiomas indo-europeus por exemplo, o significado de cada palavra ou expressão é determinado pelas outras que a rodeiam.
O resultado disso é que a interação do texto com o leitor, o peso de suas idéias prévias e também a influência de sua maneira individual de ler são muito mais importantes para se chegar a uma conclusão necessariamente provisória acerca do "Tao Te King" do que ocorreria com qualquer obra religiosa ou filosófica da tradição ocidental.
Só em inglês, há mais de uma centena de versões, algumas realizadas por sinólogos, outras por poetas, outras ainda, por malucos. O mesmo, em proporções mais modestas, acontece em francês, alemão etc. Há na internet vários sites com "Taos".
Em português, o acervo é minguado, mas esta nova tradução do chinês, devido tanto à fluência e relativa concisão de seu fraseado (trata-se, afinal, do "livro das cinco mil palavras") quanto ao uso hábil de recursos poéticos modernos (como o jogo com os prefixos ou a espacialização), é um bom ponto de partida para trilhar esse caminho que, embora tenha começado a ser batido há milênios, não tem fim.


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