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LIVROS/LANÇAMENTOS
"TAO TE KING"
Obra chinesa, cuja primeira versão data de cerca de três séculos antes da era cristã, tem edição brasileira
Lao Tzu traça doutrinas para o mundo
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
O "Tao te King" (título traduzido como "Livro do Caminho e da Virtude") do chinês Lao
Tzu -autor legendário cujo nome quer dizer Velho Mestre- é
um dos clássicos mais breves e
atraentes da literatura universal.
O clássico chega às livrarias brasileiras em duas novas edições:
uma com tradução do chinês por
Mario Sproviero (Hedra) e outra,
do inglês, por Waldéa Barcellos
(Martins Fontes).
Se bem que tenha levado centenas de anos para alcançar a forma
como é hoje em dia conhecido,
sua primeira versão data de cerca
de três séculos antes da era cristã,
e, a cada década, arqueólogos encontram versões ou fragmentos
mais antigos.
Na China, onde foi escrito, o livro se tornou logo uma obra sagrada. É também o documento
fundador do taoísmo -movimento introspectivo, contemplador, que se contrapôs ao confucionismo, que, com sua ênfase na
piedade filial, na obediência ao
soberano e na manutenção da ordem, manteve até o fim do império o estatuto de doutrina oficial.
Pequeno breviário composto de
81 capítulos em verso e/ou prosa
poética, o "Tao Te King", desde
que alcançou o Ocidente, tem
despertado um interesse não só filosófico, mas também enquanto
desafio à tradução, já que o texto
de que dispomos é, entre as obras
consagradas, talvez o mais aberto
que existe, e isto ocorre por três
razões: suas próprias características, sua história e a natureza da
língua chinesa.
O que o "Velho Mestre" (este,
aliás, um dos nomes alternativos
do tratado) faz é alinhavar conselhos e preceitos que podem ser
aplicados seja à conduta da vida
privada, seja à administração do
Estado, seja, inclusive, à interpretação do mundo.
Os termos-chave, a começar por
"tao" (caminho) e "te" (virtude)
são ambíguos, polivalentes e seu
sentido, nunca definitivo, sempre
inexaurível, está tanto no texto
quanto na consciência do leitor,
que pode, por seu turno, ser mediada pelas hipóteses interpretativas dos exegetas e pelo trabalho
dos tradutores.
Como qualquer outro texto que
coalesceu durante centenas de
anos, o livro é produto não só dos
que ativamente o compuseram,
mas também de acidentes históricos, alguns sabidos (interpolações, corruptelas, palavras cujos
sentidos se alteraram ou se perderam), a maioria mal imaginada.
Daí que qualquer versão ou interpretação que se privilegie, mais
do que uma leitura, envolve uma
interpretação prévia de sua história. Considerando que o que se sabe a respeito dessa aumenta sem
cessar, o passado do livro continuará mudando no futuro.
O chinês é, ao extremo, uma língua isolante, o que quer dizer que,
bem mais do que nos idiomas indo-europeus por exemplo, o significado de cada palavra ou expressão é determinado pelas outras que a rodeiam.
O resultado disso é que a interação do texto com o leitor, o peso
de suas idéias prévias e também a
influência de sua maneira individual de ler são muito mais importantes para se chegar a uma conclusão necessariamente provisória acerca do "Tao Te King" do
que ocorreria com qualquer obra
religiosa ou filosófica da tradição
ocidental.
Só em inglês, há mais de uma
centena de versões, algumas realizadas por sinólogos, outras por
poetas, outras ainda, por malucos. O mesmo, em proporções
mais modestas, acontece em francês, alemão etc. Há na internet vários sites com "Taos".
Em português, o acervo é minguado, mas esta nova tradução do
chinês, devido tanto à fluência e
relativa concisão de seu fraseado
(trata-se, afinal, do "livro das cinco mil palavras") quanto ao uso
hábil de recursos poéticos modernos (como o jogo com os prefixos
ou a espacialização), é um bom
ponto de partida para trilhar esse
caminho que, embora tenha começado a ser batido há milênios,
não tem fim.
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