São Paulo, terça-feira, 01 de maio de 2001

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MÚSICA ERUDITA

Domingo é dia de são Brahms

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Concertos ruins são todos parecidos, mas cada concerto bom é bom à sua maneira. Por exemplo: o bom concerto do Coro de Câmara da Osesp, domingo à tarde na Sala São Paulo. Foi surpreendente por vários motivos, que merecem comentário.
A primeira surpresa é que o coro -recém-nascido, nessa formação- possa soar tão maduro. Já tem som próprio, já canta como um coro, e não um conjunto acidental de vozes. Formado por membros do Coro da Osesp, sob a regência de Naomi Munakata, este foi seu segundo concerto, mas ninguém acredita.
Fantasia: cantores acorrentados noite e dia, nas catacumbas da Sala São Paulo, bebendo salmoura, entoando solfejos, lendo a vida de são Brahms e ensaiando 12 horas sem intervalo, sob o jugo da doce Naomi.
A segunda surpresa foi o programa. Vamos ser francos: "música coral", como categoria, não chega a ser um ideal de felicidade para a maioria de nós. (Nós, os ignorantes. Nós, os surdos.)
E uma sucessão de peças só para coro masculino, depois só feminino, tem sua dose de estranheza.
O fato é que a música para coro permanece pouco cultivada pelo público de concerto. Ao contrário do século 19, quando um ideal de arte como educação tem na "sociedade coral" um de seus principais emblemas, no século 20, o coro deixa de estar no centro das coisas. Mas as relações entre literatura e música, e as imagens de convívio humano encarnadas nesse repertório, fazem agora de Schubert e Brahms compositores novos, a serem redescobertos.
Terceira surpresa: às cinco da tarde de domingo, em pleno feriadão, a Sala São Paulo estava tomada de gente para ouvir o coro. Prova de que, nesta terra, em se plantando, dá.
Para quem não a conhecia, foi surpreendente a voz de Cristiane Minczuk, na "Serenata" de Schubert (1797-1828) -uma mulher sozinha contra o coro dos homens, a voz da música transformando em canção a língua alemã e serenando cada um de nós como amante do ambivalente Schubert.
Outra surpresa foi Marivone Caetano, solista numa das "Três Canções Sacras" de Rossini (1792-1868). Começou nervosa, mas se prendeu à própria voz e foi se alçando até encher a sala de bel-canto e "virtù".
E o Poulenc? E o César Franck? OK (para usar uma palavra francesa). Mas o coro está mais à vontade nos românticos do que em fumos simbolistas, ou na carolice gentil do modernismo.
Só no bis (uma "Ave Maria" de Bruckner) cantaram juntos todos os homens e mulheres, fechando o programa que abriu com uma "Ave Maria" de Holst (mulheres) e outra de Biebl (homens).
O melhor estava no meio: Schumann. E no fim: as "Quatro Canções op. 17" de Brahms (1833-97), acompanhadas de harpa e trompas.
Cada concerto bom é bom à sua maneira: esse foi fino, discreto, franco. Um ideal de música e educação, ou música como educação. O ideal realizado do próprio repertório, que a gente vai aprendendo a ouvir.


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