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MÚSICA ERUDITA
Domingo é dia de são Brahms
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Concertos ruins são todos
parecidos, mas cada concerto bom é bom à sua maneira. Por
exemplo: o bom concerto do Coro de Câmara da Osesp, domingo
à tarde na Sala São Paulo. Foi surpreendente por vários motivos,
que merecem comentário.
A primeira surpresa é que o coro -recém-nascido, nessa formação- possa soar tão maduro.
Já tem som próprio, já canta como um coro, e não um conjunto
acidental de vozes. Formado por
membros do Coro da Osesp, sob a
regência de Naomi Munakata, este foi seu segundo concerto, mas
ninguém acredita.
Fantasia: cantores acorrentados
noite e dia, nas catacumbas da Sala São Paulo, bebendo salmoura,
entoando solfejos, lendo a vida de
são Brahms e ensaiando 12 horas
sem intervalo, sob o jugo da doce
Naomi.
A segunda surpresa foi o programa. Vamos ser francos: "música coral", como categoria, não
chega a ser um ideal de felicidade
para a maioria de nós. (Nós, os ignorantes. Nós, os surdos.)
E uma sucessão de peças só para
coro masculino, depois só feminino, tem sua dose de estranheza.
O fato é que a música para coro
permanece pouco cultivada pelo
público de concerto. Ao contrário
do século 19, quando um ideal de
arte como educação tem na "sociedade coral" um de seus principais emblemas, no século 20, o coro deixa de estar no centro das
coisas. Mas as relações entre literatura e música, e as imagens de
convívio humano encarnadas
nesse repertório, fazem agora de
Schubert e Brahms compositores
novos, a serem redescobertos.
Terceira surpresa: às cinco da
tarde de domingo, em pleno feriadão, a Sala São Paulo estava tomada de gente para ouvir o coro.
Prova de que, nesta terra, em se
plantando, dá.
Para quem não a conhecia, foi
surpreendente a voz de Cristiane
Minczuk, na "Serenata" de Schubert (1797-1828) -uma mulher
sozinha contra o coro dos homens, a voz da música transformando em canção a língua alemã
e serenando cada um de nós como amante do ambivalente Schubert.
Outra surpresa foi Marivone
Caetano, solista numa das "Três
Canções Sacras" de Rossini (1792-1868). Começou nervosa, mas se
prendeu à própria voz e foi se alçando até encher a sala de bel-canto e "virtù".
E o Poulenc? E o César Franck?
OK (para usar uma palavra francesa). Mas o coro está mais à vontade nos românticos do que em
fumos simbolistas, ou na carolice
gentil do modernismo.
Só no bis (uma "Ave Maria" de
Bruckner) cantaram juntos todos
os homens e mulheres, fechando
o programa que abriu com uma
"Ave Maria" de Holst (mulheres)
e outra de Biebl (homens).
O melhor estava no meio: Schumann. E no fim: as "Quatro Canções op. 17" de Brahms (1833-97),
acompanhadas de harpa e trompas.
Cada concerto bom é bom à sua
maneira: esse foi fino, discreto,
franco. Um ideal de música e educação, ou música como educação.
O ideal realizado do próprio repertório, que a gente vai aprendendo a ouvir.
Avaliação:
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