São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

Filhos pródigos

Christian Cravo/Divulgação
Integrante da família Ferreira pendura camisa manchada de sangue



Walter Salles lança hoje no país "Abril Despedaçado", inspirado em obra homônima de Ismail Kadaré


MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

Walter Salles, 46, é um cineasta de sucesso. "Central do Brasil" lhe rendeu 55 prêmios internacionais, duas indicações ao Oscar (melhor filme estrangeiro e melhor atriz, para Fernanda Montenegro) e foi visto por 7 milhões de espectadores.
Ele é o único cineasta brasileiro com trânsito livre em Hollywood e na Europa. Não há produtor ou ator importante que não lhe retorne as ligações.
Acrescente-se a isso que passou a infância nos Estados Unidos e na França e conhece o mundo todo. Que é dono de uma grande empresa, o Unibanco, e de uma produtora lucrativa e prestigiada, a Videofilmes. Que é solteiro, culto, simpático e bem-apessoado.
Sua vida é cheia de aventura e riqueza, pois?
"Considero uma ofensa imaginar que um cineasta, ainda mais um cineasta brasileiro, viva num ambiente de glamour e facilidades", responde Walter Salles.
"Eu não tenho residência fixa, estou morando no Rio de Janeiro, num apartamento emprestado pelo meu irmão, e ficarei depois seis meses num hotel em Buenos Aires ou em locações no deserto de Atacama, na Cordilheira dos Andes e na Amazônia peruana", prossegue. "Passo a maior parte do tempo em aeroportos."
Walter Salles está no Brasil divulgando "Abril Despedaçado", que estréia hoje nos cinemas do país. Recebe dúzias de jornalistas que lhe repetem as mesmas perguntas. Está cansado, seis quilos mais magro da viagem que fez de motocicleta e automóvel por estradas lamacentas da Argentina, do Chile e do Peru.
Seu próximo filme, "Diários de Motocicleta", produzido pelo ator norte-americano Robert Redford, será rodado nesses três países. Falado em espanhol, com atores e técnicos latino-americanos, o filme contará a viagem que Che Guevara, então um médico recém-formado de 23 anos, fez, há meio século, de Buenos Aires até os Estados Unidos.

Cobranças
Seus quatro longas ("A Grande Arte", "Terra Estrangeira", "Central" e "Abril") foram filmados com equipes multinacionais, em lugares que lhe eram desconhecidos ou inóspitos. Seu perfeccionismo e suas dúvidas dificultaram ainda mais as produções.
O diretor considera "Terra Estrangeira" o seu filme mais bem logrado. E "Abril Despedaçado", o mais difícil de fazer -não somente por ter sido filmado numa temperatura média superior a 40 graus.
O sucesso de "Central do Brasil" gerou expectativas e cobranças. À direita, ele foi pressionado a fazer filmes nos moldes hollywoodianos ou do cinema de arte europeu. À esquerda, foi denunciado por se distanciar do Brasil e seus problemas.
Para ele, vencer o vazio depois de passar anos trabalhando num filme é sina de todo cineasta. "Exceto talvez John Ford, que fez 104 filmes", afirma ele.
Ele decidiu então fazer um filme no Brasil e falado em português. Mas buscou inspiração num romance escrito pelo albanês Ismail Kadaré. Fez um filme pessoal, com um alcance mítico ao alcance de platéias e críticos estrangeiros, mas cuja raiz é eminentemente brasileira.
O fato de "Abril Despedaçado" ter sido malhado pela crítica italiana e aplaudido pela americana, quando de sua estréia no Festival de Veneza, e de ter estreado antes do Brasil nos Estados Unidos e na Europa agravaram as cobranças.
Walter Salles considera isso tolice. "O que quero fazer são filmes independentes", diz. Ele, de fato, não é um cineasta de aluguel. Se seus filmes são cosmopolitas, focam a errância e a busca de identidade e os dois últimos tratam de filhos pródigos, é porque sua história é de um brasileiro em busca de si mesmo.
Ele é um filho pródigo que sempre volta à família. Seus irmãos, o documentarista João e o banqueiro Pedro, são seus melhores amigos. Cada vez mais, a idéia de ter uma casa e um filho lhe é presente. Enquanto ela não se concretiza, segue filmando.


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