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SOCIEDADE DOS "MALDITOS" VIVOS
Poeta lança três livros simultaneamente e diz que começa sua "vida literária"
Glauco Mattoso vai contra sua "maldição"
DA REPORTAGEM LOCAL
Ícone do "malditismo literário
brasileiro", o poeta Glauco Mattoso vive um momento "sui generis" na sua trajetória: o autor está
às voltas com três lançamentos simultâneos de livros, cada um por
uma editora diferente.
Recém-dobrado do cabo dos 50
anos, o escritor paulistano diz que
a "tríplice coroa" chega no "melhor momento de sua carreira".
"Tem gente que diz que a vida começa aos 30, outros que começa
aos 40. Só sei que a vida literária
começa aos 50", afirma o poeta,
ensaísta, letrista e tradutor.
Para comemorar esse "começo", Mattoso assopra as velinhas
com um bocado de poemas feitos
na "vida anterior". Ele está lançando pela editora Landy, como
parte da coleção de poesia Alguidar, o volume "Poesia Digesta",
que faz um balanço dos seus 30
anos de poesias "indigestas".
Com o subtítulo "1974-2004", o
livro -que em seu título brinca
com o termo em inglês "digest"
(digesto, condensado, compilado,
resenhado)- vem sendo digerido pelo escritor há muitos e muitos anos.
Sua "superantologia", como
qualifica o trabalho, era uma forma de seguir os passos de um de
seus "modelos" literários, o poeta
concreto Augusto de Campos.
"Seu primeiro livro saiu quando
nasci, em 51, e me considero de
certa forma um discípulo, ainda
que eu tenha tido uma trajetória
bem diferenciada da dos concretistas. Em 79, Augusto publicou
seu "Viva Vaia", com o subtítulo
"49-79", balanço de três décadas.
Eu falei: um dia vou fazer isso."
Em 1995, o glaucoma que estragava a visão do escritor desde garoto (Glauco Mattoso, vale repetir, é o pseudônimo de Pedro José
Ferreira da Silva) deixou-o totalmente no escuro. "Tive certeza de
ter chegado ao fim da carreira literária, mas foi é a virada."
O escritor, que já tinha transgredido com todos os tipos de formatos poéticos, do haicai ao particularíssimo estilo do "Jornal Dobrábil", paródia de um jornal que ele
fazia com versos escrachados,
lançou-se no aparentemente menos provável dos formatos para
transgressões: o soneto, com todas as regras de versificação incluídas.
Glauco Mattoso ultrapassou há
pouco a inacreditável marca dos
mil sonetos escritos.
É desse arcabouço que saíram
os poemas para os outros dois livros que o escritor está colocando
nas prateleiras. A jovem editora
Lamparina, usando como base o
repertório sonetista de livros recentes de Mattoso pelo selo Ciência do Acidente, publicou "Pegadas Noturnas - Dissonetos Barrockistas".
Já a Geração Editorial se tornou
a primeira editora de médio porte
e com perfil mais comercial a lançar poemas do "maldito" no livro
"Poética na Política", que esculhamba com Fernando Henrique,
Itamar Franco, Zé Dirceu (bem
antes do caso Waldomiro), ACM
e Lula (uma "carta" ao presidente
abre o volume).
Com tantos lançamentos, o
"maldito" estaria se "desmalditizando"? "Será? Olha, pode ser,
não é? Mas a gente só vai poder dizer isso depois de algum tempo se
a edição esgotar e se for reeditado.
Se tiver uma segunda edição de
cada um desses títulos, aí eu vou
acreditar que estou sendo desmalditizado", expressa Mattoso,
com a voz grave e tranqüila.
É com esse "longo prazo" que
ele diz sempre ter trabalhado. "Se
eu chegar a ser, vamos dizer assim, inscrito no mesmo patamar
do Gregório [de Mattos], isso vai
levar muito tempo, não vai ser já.
Essas coisas sempre ficam para a
posteridade. É uma probabilidade
que a gente deixa para ser analisada depois."
Mattoso brinca que só ficaria famoso agora se "acontecesse algum fato noticioso, alguém matar
alguém por causa de um poema
meu, por exemplo". A outra "hipótese" seria ser censurado. "O
Juca Chaves ficava torcendo para
censurarem cada música que ele
lançava."
O poeta "maldito" diz que não
se incomodaria de passar a fazer
sucesso, mas que sempre soube
que seria "um fracasso". "Enveredei por aquele veio subterrâneo,
como dizia o José Paulo Paes, que
é o fescenino. O fescenino é, automaticamente, uma poesia excluída, uma poesia que só poucos
vêem porque ela incomoda, ou
por questões morais, ou éticas ou
estéticas."
O universo "fescenino" de Glauco Mattoso, marcado pela adoração sexual ao pé masculino, protagonista de todo um livro de poemas do autor, "Centopéia", e objeto de decoração de sua sala toda
(que tem desde desenhos de homens lambendo pés alheios, por
Tom of Finland, até a propaganda
do extinto picolé em forma de pé
Perepepé), comparece, claro, em
"Poesia Digesta".
Mas a coletânea tem como um
dos destaques a apresentação das
facetas desconhecidas e mais
atuais do artista. "Dei uma boa
parada nos sonetos e eu estou fazendo glosas, poesia nordestina.
Tenho feito até cordel pela internet com cordelistas nordestinos",
conta Mattoso.
O volume editado pela Landy,
organizado por blocos temáticos
como "Palatáveis e Culinários",
"Libertinos e Latrinários" ou "Experimentais e Marginais", tem
amostras de diversos desses inéditos "nordestinos".
"O repente tem uma estrutura
bem fixa, como o soneto. Tenho
preferido trabalhar assim. Gostoso é transgredir dentro da norma.
É muito mais difícil você transgredir dentro de um determinado
molde do que abolir o molde pura
e simplesmente. Porque, quando
você abole qualquer regra, você
pode fazer o que você quiser, como aquela famosa frase: "Se Deus
morre, tudo é permitido"."
Eis aí o Glauco Mattoso "depurado". "No começo, fazia uma
pregação política muito niilista,
contra tudo e contra todos. Depois você vai depurando isso, vai
aprimorando. Vai pondo mais o
dedo na ferida, atacando os podres, por exclusão você vai deixando claro aquilo que seria o
ideal na política, porque se você
só critica parece que você é uma
metralhadora giratória e que nada
se salva. Não é verdade."
(CASSIANO ELEK MACHADO)
POESIA DIGESTA. Editora: Landy (tel.
0/xx/11/3081-4169). Quanto: R$ 35 (232
págs.).
PEGADAS NOTURNAS. Editora:
Lamparina (tel. 0/xx/21/2232-1768).
Quanto: R$ 30 (216 págs.).
POÉTICA NA POLÍTICA. Editora: Geração Editorial (tel.
0/xx/11/3872-0984). Quanto: R$ 24 (112
págs.). Autor (dos três): Glauco Mattoso.
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