São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008

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Meirelles diz que é "gato escaldado" em Cannes

Diretor compara festival a "acidente de carro" e diz que vai "preparado para a colisão"

Cineasta comenta a sua "experiência bizarra" no Festival de Cannes de 2002, quando "Cidade de Deus" foi exibido fora de competição

DA REPORTAGEM LOCAL

Neste trecho da entrevista, o diretor Fernando Meirelles, 52, diz que seu novo filme será visto como "um troço meio pós-moderno". (SILVANA ARANTES)

 

FOLHA - O Festival de Cannes 2008 homenageia a edição de maio de 1968, suspensa, num eco dos artistas aos protestos populares. A organização define o presidente do júri, Sean Penn, como "engajado". A escolha de abrir o festival e a disputa com "Ensaio sobre a Cegueira", baseado em livro do comunista José Saramago, sugere que o festival insere o filme no contexto dos herdeiros da crítica e do pensamento à esquerda. Isso faz sentido para você, que, no Brasil, não é associado à esquerda?
MEIRELLES -
Nunca pensei em direita e esquerda. O mundo ficou, ou sempre foi, bem mais complexo do que uma lata de goiabada, que tem apenas dois lados para acessá-la. Tenho até certa aflição em relação a pessoas que vêem o mundo dessa forma. Fanatismo religioso ou convicções ideológicas rígidas são os vírus mais poderosos da cegueira.

FOLHA - O presidente do festival, Gilles Jacob, diz que a cena-síntese de Cannes "é uma pessoa falando com você e olhando por cima do seu ombro, até que chega alguém mais importante e, em dois segundos, você fica falando sozinho". Que lição aprendeu em Cannes quando "Cidade de Deus" foi exibido em seleção oficial fora de competição, em 2002? Quando arde a fogueira das vaidades, o que você faz?
MEIRELLES -
Minha experiência em Cannes com "Cidade de Deus" foi bizarra. Chegamos sem nem um pôster, e havia 14 entrevistas marcadas para o dia seguinte à nossa estréia. Aproveitando o crachá, fiz uma listinha dos filmes que iria assistir. Acabou que o filme gerou interesse e passei seis dias, do café da manhã à hora do jantar, dando entrevistas sem parar. Nem vi festival nenhum. Acho que estava cansado demais para sentir o tal ardido da fogueira das vaidades. Minha sensação foi parecida com a de um acidente de carro. Tudo foi tão rápido, inesperado e violento que, quando acabou, não sabia bem o que havia acontecido. Desta vez, vou mais preparado para a colisão. Gato escaldado.

FOLHA - Qual é o pior adversário numa competição de filmes?
MEIRELLES -
A própria idéia de competição de filmes. Por que os caras não dão logo uma medalhinha para todos os participantes, como fazem em bufê infantil, e deixam todo mundo ir embora feliz? Quem inventou esse negócio de competição em música, cinema, artes plásticas? Tenho uma hipótese, mas não acuso ninguém.

FOLHA - Julianne Moore é, desde já, favorita à Palma de melhor atriz?
MEIRELLES -
Não conheço as outras atrizes que estarão lá, mas me surpreenderá muito se ela não for ao menos cogitada como uma provável candidata. A mulher é desnivelada.

FOLHA - A personagem de Julianne Moore afirma, no trailer do filme, que a única coisa mais aterradora do que a cegueira é ser a única a enxergar. Quanto de terror psicológico há em "Ensaio sobre a Cegueira"?
MEIRELLES -
Não há terror psicológico no filme, e esta frase foi criada por um departamento de marketing. Não está no filme. Como não manjo nada de marketing, deixo por conta deles. Cada macaco no seu galho.

FOLHA - O trailer diz ainda que o filme "vai mudar nossa visão do mundo". Qual é a visão do mundo contida em "Ensaio sobre a Cegueira"?
MEIRELLES -
Essa frase aí é puramente marqueteira e nem com a minha experiência fazendo comerciais consigo entender exatamente a que se refere.
De qualquer maneira, esta não é uma história que "explica", é o tipo de história que levanta questões, e cada um deve encontrar suas respostas. Um troço meio pós-moderno, diriam alguns, problematizante, inquiridor.


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