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Cinema / estréias - Crítica/"Condor"
Filme revê aliança entre ditaduras da AL
Sem novidades, documentário de Roberto Mader tem o mérito de reavivar memória histórica e ouvir vítimas e algozes
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Resumo do documentário "Condor", que estréia hoje, nas palavras
do cineasta argentino Andrés
Habergger:
"O horror é parte de nossa vida e de nossa história".
O cineasta sabe do que está
falando, como vítima pessoal
do "horror": seu pai, o jornalista também argentino Norberto
Habergger, foi preso no Brasil e
desapareceu para sempre. Com
toda a certeza, foi vítima da
multinacional repressiva batizada de Operação Condor, que
dá nome ao documentário.
Tratou-se de uma aliança entre os regimes ditatoriais que
cobriram nos anos 70 e parte
dos 80 quase todo o mapa da
América do Sul para caçar,
prender e, muitas vezes, fazer
desaparecer oponentes das diferentes ditaduras, apagando as
fronteiras para o mecanismo
repressivo.
Mas o documentário não
apresenta informações novas
sobre a operação. Pelo menos
não para este colunista, que cobriu todos os acontecimentos
que o filme mostra, desde as
grandes anomalias institucionais (os golpes no Chile, na Argentina e até no Brasil) até casos pontuais.
Um deles demonstra o quanto o "horror" pode se estender
no tempo, além do momento
em que violações aos direitos
humanos são praticadas, e pode
alcançar inocentes absolutos.
Trata-se do caso das crianças
Anatole e Victoria Larraberti,
filhos de uruguaios mortos pela
ditadura, que foram deixados
em uma praça de Valparaíso,
no litoral chileno. Ou seja, cruzaram não apenas os Andes,
mas foram levados de um oceano (o Atlântico, que banha o
Uruguai) ao Pacífico.
Procurados pela avó
Os dois foram adotados por
um casal chileno, que não tinha
a mais remota idéia de quem
eram e de que história traziam
com eles. Mas a avó das crianças procurou-os o tempo todo,
até que, com o auxílio do Clamor, um grupo de defesa dos
direitos humanos criado pela
Arquidiocese de São Paulo, localizou-os no Chile.
Criou-se, então, a seguinte situação: se as crianças voltassem para a família biológica,
perderiam os pais pela segunda
vez (agora, os pais adotivos, aos
quais se haviam afeiçoado, afeição plenamente retribuída). Se
não voltassem, a avó, que já
perdera filho e nora, perderia
de novo os netos.
É melhor que o leitor veja o
documentário para saber como
se desfez esse triste nó.
Afinal, ainda que não haja informações novas sobre a Operação Condor, o resgate da memória histórica é sempre importante, mais ainda porque os
fatos narrados no documentário ocorreram em uma época
de censura à mídia quase generalizada na América do Sul.
O filme tem outra qualidade:
por mais que tome o lado das
vítimas, não deixa de dar voz
aos algozes. Aparece até, com
freqüência, o general chileno
Manuel Contreras, uma espécie de ícone-mor do "horror",
como chefe que foi da Dina (Direção de Inteligência Nacional,
responsável principal pela
repressão).
Pelo Brasil, fala Jarbas Passarinho, ministro dos governos
militares, que admite que a
Condor possa ter sido um esquema de troca de informações
e eventualmente de troca de
prisioneiros, mas não um esquema oficial e multinacional
de repressão, acertado no mais
alto escalão de cada regime.
Aliás, provar esse elo é o que
falta tanto no caso da Operação
Condor como do documentário
que a relata.
CONDOR
Produção: Brasil, 2007
Direção: Roberto Mader
Onde: estréia hoje, no cine Bombril
Avaliação: bom
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