São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema / estréias - Crítica/"Condor"

Filme revê aliança entre ditaduras da AL

Sem novidades, documentário de Roberto Mader tem o mérito de reavivar memória histórica e ouvir vítimas e algozes

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Resumo do documentário "Condor", que estréia hoje, nas palavras do cineasta argentino Andrés Habergger: "O horror é parte de nossa vida e de nossa história".
O cineasta sabe do que está falando, como vítima pessoal do "horror": seu pai, o jornalista também argentino Norberto Habergger, foi preso no Brasil e desapareceu para sempre. Com toda a certeza, foi vítima da multinacional repressiva batizada de Operação Condor, que dá nome ao documentário.
Tratou-se de uma aliança entre os regimes ditatoriais que cobriram nos anos 70 e parte dos 80 quase todo o mapa da América do Sul para caçar, prender e, muitas vezes, fazer desaparecer oponentes das diferentes ditaduras, apagando as fronteiras para o mecanismo repressivo.
Mas o documentário não apresenta informações novas sobre a operação. Pelo menos não para este colunista, que cobriu todos os acontecimentos que o filme mostra, desde as grandes anomalias institucionais (os golpes no Chile, na Argentina e até no Brasil) até casos pontuais.
Um deles demonstra o quanto o "horror" pode se estender no tempo, além do momento em que violações aos direitos humanos são praticadas, e pode alcançar inocentes absolutos.
Trata-se do caso das crianças Anatole e Victoria Larraberti, filhos de uruguaios mortos pela ditadura, que foram deixados em uma praça de Valparaíso, no litoral chileno. Ou seja, cruzaram não apenas os Andes, mas foram levados de um oceano (o Atlântico, que banha o Uruguai) ao Pacífico.

Procurados pela avó
Os dois foram adotados por um casal chileno, que não tinha a mais remota idéia de quem eram e de que história traziam com eles. Mas a avó das crianças procurou-os o tempo todo, até que, com o auxílio do Clamor, um grupo de defesa dos direitos humanos criado pela Arquidiocese de São Paulo, localizou-os no Chile.
Criou-se, então, a seguinte situação: se as crianças voltassem para a família biológica, perderiam os pais pela segunda vez (agora, os pais adotivos, aos quais se haviam afeiçoado, afeição plenamente retribuída). Se não voltassem, a avó, que já perdera filho e nora, perderia de novo os netos.
É melhor que o leitor veja o documentário para saber como se desfez esse triste nó.
Afinal, ainda que não haja informações novas sobre a Operação Condor, o resgate da memória histórica é sempre importante, mais ainda porque os fatos narrados no documentário ocorreram em uma época de censura à mídia quase generalizada na América do Sul.
O filme tem outra qualidade: por mais que tome o lado das vítimas, não deixa de dar voz aos algozes. Aparece até, com freqüência, o general chileno Manuel Contreras, uma espécie de ícone-mor do "horror", como chefe que foi da Dina (Direção de Inteligência Nacional, responsável principal pela repressão).
Pelo Brasil, fala Jarbas Passarinho, ministro dos governos militares, que admite que a Condor possa ter sido um esquema de troca de informações e eventualmente de troca de prisioneiros, mas não um esquema oficial e multinacional de repressão, acertado no mais alto escalão de cada regime.
Aliás, provar esse elo é o que falta tanto no caso da Operação Condor como do documentário que a relata.


CONDOR
Produção:
Brasil, 2007
Direção: Roberto Mader
Onde: estréia hoje, no cine Bombril
Avaliação: bom


Texto Anterior: Música: Show homenageia Marlene e cantoras do rádio
Próximo Texto: "Condor" foi premiado no festival do Rio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.