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CONTARDO CALLIGARIS
Narcisismo de homens e mulheres
O homem vive um narcisismo valentão; a mulher questiona: "Será que gostam de mim?"
NA COLUNA da quinta retrasada, "O Trauma do Amor", escrevi o seguinte: "Mesmo
quando a iniciativa da separação foi
da própria mulher (ou compartilhada por ela) e não houve "infidelidade"
do lado do homem, as mulheres tendem a viver a separação como uma
traição, como uma crueldade que
lhes foi feita, uma sacanagem".
Acrescentei que deixaria para outra vez a explicação dessa especificidade feminina. Respondendo aos
pedidos de vários leitores e leitoras,
aqui vai UMA explicação.
Muitas culturas (não só a nossa)
preferem que, no início do jogo
amoroso, os homens façam o primeiro passo. Ultimamente, o recato
deixou de ser uma qualidade feminina essencial: uma mulher que se arrisque a ser a primeira a mostrar seu
interesse não é mais uma atrevida
(ou pior). Mas o hábito permanece:
"Que os homens se manifestem, e as
mulheres aceitem ou rejeitem".
Há, nesse costume antigo, uma
certa sabedoria, pois, para os homens, em geral, é mais fácil lidar
com uma negativa. Raramente a recusa os leva a uma dúvida radical sobre eles mesmos.
Muito antes de perguntar-se "Será
que não sou aquela maravilha toda
que minha mãe e minhas tias diziam
que eu era (e, se não disseram, deveriam ter dito)?", os homens conseguem inculpar detalhes contingentes ("Hoje, excepcionalmente, o desodorante me largou") e, sobretudo,
acusam a própria mulher que os recusou: se ela não quis, é porque é
"uma puta". Paradoxal, não é?
Pois é, mas o paradoxo é revelador.
Para o homem, como era de esperar,
a única que não seja "puta" é a mãe,
que, supostamente, gostava e gosta
só dele.
As outras, que não se extasiam
diante de seus vagidos, são "putas"
porque podem lhe preferir terceiros
quaisquer. Por sorte (de todos nós),
essa "segurança" narcisista do homem tem uma pequena falha: a própria mãe, por mais que se extasiasse
com ele, fechava-se no quarto com o
pai, de vez em quando (para o menino, aliás, não é um bom negócio que a
mãe se esqueça de ser mulher).
Seja como for, o narcisismo masculino não se deixa abalar por uma
recusa. A convicção de ter sido objeto
exclusivo e insubstituível do amor
materno é um recurso (quase) seguro: "Pouco importa que as outras não
gostem de mim, pois a única que importa gostava e gosta".
Para a maioria das mulheres, acontece o contrário. Uma recusa e uma
negativa valem como uma espécie de
confirmação do que era suspeitado
por elas desde sempre: "Não agrado e
nunca fui verdadeiramente amada".
Hoje, depois de décadas de um lento processo de mudança cultural em
que o feminino foi valorizado, afirma-se que o amor de mãe é o mesmo
para menino ou menina. Mas a "Escolha de Sofia" (o romance, note-se,
foi escrito por um homem) seria,
provavelmente, a mesma: acuada,
tendo que escolher entre o filho e a filha, Sofia ainda salvaria o menino.
O sentimento de que um filho satisfaz a mãe mais do que uma filha
continua na cultura, solidamente.
Quer seja pela ilusão de que o filho
homem não sumirá pelo mundo afora, mas, por eternizar o sobrenome,
ele ficará na tribo (perto da mãe).
Quer seja pela sensação de completude que talvez acompanhe a constatação materna de ter conseguido dar
à luz um ser tão diferente dela, um
ser do outro sexo.
A conseqüência dessa disparidade
do amor materno é a tragicomédia
cotidiana, em que uma mulher, mesmo em seu melhor dia, precisa perguntar a seu companheiro se ele a
acha bonita. E um homem, deformado por churrascos e cerveja, julga-se
irresistível.
Em suma, homens e mulheres, em
geral, padecem de narcisismos diferentes: o homem é blindado por uma
segurança eficiente e um pouco obtusa, e a mulher é constantemente
exposta ao risco de um dúvida radical
sobre o amor que ela recebe.
O discurso comum pensa que a
mulher, mais cuidadosa com sua
aparência, seja "mais narcisista" do
que o homem.
Não é nada disso: o homem vive
um narcisismo valentão, enquanto a
mulher não pára de questionar: "Será que gostam de mim?". Corolário: a
mulher, por isso mesmo, é melhor
psicóloga do que o homem -mais
perspicaz na leitura das palavras e
dos gestos dos outros.
Conclusão: a rejeição, para uma
mulher, é uma experiência que coloca em perigo sua precária certeza de
ser aceita no mundo, é uma experiência que abala seu ser, que a fere
além da conta. Inclusive além da
conta possível de perdas e danos numa separação.
ccalligari@uol.com.br
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