São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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NOITE ILUSTRADA - EDIÇÃO ESPECIAL
Eu dancei sobre o Monumento às Bandeiras, em pleno Ibirapuera

ISSO mesmo. Eu fui uma daquelas pessoas que subiram no Monumento às Bandeiras, o famoso deixa-que-eu-puxo do Brecheret, coração do parque Ibirapuera. Foi sábado, durante a Parada da Paz, quando mais de 15 mil pessoas (segundo organizadores) participaram da maior celebração da cultura club já vista na cidade.

FOI assim: a "danceata" percorreu seis quarteirões da avenida Brasil, partindo da rua Colômbia, até chegar ao Obelisco. Ao fazer a volta em torno daquela praça, seguindo pelo chão os trios elétricos, demos ali, de cara com aquela estátua linda. Qual a idéia mais óbvia? Subir, ué. Pois foi o que fizeram dezenas de pessoas, no momento mais emocionante do evento, tanto para quem subiu quanto para quem viu. Afinal, a vista de São Paulo assim, com o esguicho do parque, a silhueta da Paulista e os carros à sua volta, cheios de gente sorrindo e dançando, com a música se confundindo em seus ouvidos... não é dessas coisas que se esquece fácil. Ah, e ainda tinha um balão, que subiu exatamente nessa hora.

AGORA sim, todos os clãs, reunidos e misturados, sem carão, como há muito a gente não via. Anônimos, tops, clubbers-favela (graças a Deus eles existem), DJs de todos os ritmos, drags as mais bagaceiras e as mais luxuosas. E, já que a parada era organizada junto com a campanha pelo desarmamento, tinha gente fazendo o símbolo da pomba voando, mas eu não vi um estudante ali: vi só clubber!

COMO na parada do ano passado (um filhote perto dessa), houve quem subisse nos muros e cabines telefônicas, improvisando palquinhos e esperando a passagem dos carros, dançando e se comunicando com quem estava lá no alto.
Tinha crianças como Lucca Leuzzi (em seu melhor modelo robin-clubber, de cabelo verde espetado), o filho de Claudia Liz e Angelo; convidados ilustres como Edson Cordeiro, Luiz Salem e Marcia Cabrita; cariocas como Gringo Cardia; engajados como Ruth Slinger e Jorjão Espírito Santo (com sua sensacional camiseta escrito 100% negro); Heitor Werneck vestido de anjo cyberpunk; os Habitants; Flavinha Ceccato de pós-pocahontas freak; Veruschka de neo-pocahontas Goa; Robert Estevão de clubber W< a ala fashion representada por Tufi Duek, Giovanni Frasson, Cesar Fassina, Patricia Carta, Marcelo Sebá, André Lima (de Anne Demeulemeester; holy) e Estela Alcântara... Tantos, tantos.

E deu pra sentir a falta do CJ Bolland, porque os DJs nem tiveram a idéia de tocar muitas músicas famosas. Tem que tocar hit, tem que tocar as músicas que a gente conhece e gosta; não tem que mostrar "conceito" nem "mostrar o trabalho". Tanto que quando tocava um hit a gente quase morria lá embaixo. Quem sabe no ano que vem. E na progressão supergeométrica de público que tivemos de 97 pra 98, logo chegaremos ao 1 milhão de pessoas que foi à Love Parade de Berlim.

E faltou dizer que uma pomba branca iluminou o céu do Ibirapuera, para delírio do povo do gramado. Parece piegas, mas na hora foi tudo!

OUTRO grande momento clubber foi Léia Bastos, rainha trash de todas as noites, sobre o carro, dançando, iluminada, com sua peruca de Marilyn e saia de plumas coloridas. E o que era ela segurando a Normanda, chapeleira do Hell's e de todos, de pé quebrado, gesso e tudo? E, ao final, que lindo, Léia foi se despindo e dando os boás para o povo, terminando numa imagem andrógina e absoluta. Léia é o verdadeiro espírito da cena.

As pessoas se espalharam depois, em dezenas de chill-ins pela cidade, seguindo depois para as festas.

E a grama, a grama! A parada acabou logo. Saiu às 17h e lá pelas 19h30 já estava estacionada, junto ao parque. Parece que a CET não deu conta de que realmente o miolo dos Jardins e da Nove de Julho parou, com congestionamentos de 6 km. Ah, tudo bem. Era só naquele dia, vai. E aí os carros tiveram que andar rápido. Olhar a avenida cheia, do alto, era a sensação de estar numa escola de samba: aquele mar de gente, lá pra trás.

MAS a grama. Quando os carros pararam, cada um procurava o som que mais lhe agradava. Alguém teve, por exemplo, a infeliz idéia de tocar "Vogue", da Madonna. "Vogue", aqui, não!
E todo mundo saiu correndo para o carro da B.A.S.E, que vivia ali seus melhores momentos. Bem ali na frente tinha um grande gramado. E ali se fez uma pista e ao mesmo tempo uma grande área de chill-out. E parecia um Woodstock clubber, com um monte de gente esparramada, derretendo, encostadas umas nas outras. E devia ter uma placa: cuidado, buracos na pista. Porque teve uma bicha amiga que até caiu num deles. E a revista "Jockey Slut", inglesa, pergunta na capa se a grama é o novo clube, diante dos megafestivais de dance music, Creeamfields e Universe, que eles vão ter por lá. Aqui não é a Inglaterra, mas nós também temos grama!

O pensamento do fim-de-semana (uma verdadeira maratona clubber), que começou na noite de sexta-feira e foi acabar só no domingo, foi resumido pelo DJ Mau Mau em seu segundo set no Hell's, às 10h, quando abriu com as palavras mágicas de Paris Grey no Reese Project: "We are a family united together, we are one". E emendou com os adoráveis vocais de "Direct Me", tendo por trás todo o fundamento de Kevin Saunderson, um dos criadores do que hoje entendemos por tecno.

DESCULPE qualquer coisa, desculpe se esta edição é uma coluna monotemática e quase redundante (não é todo dia que se faz uma pista de 15 mil pessoas no país). Estamos em momento de integração e expansão. A dance music é hoje um idioma falado pela juventude de todo o mundo, muito além dos guetos dos clubes, das raves, do underground ou da cena gay.

PORTANTO, clubbers e ravers de Brasília, Rio, Campo Grande e São Paulo, se joguem. Estamos conectados também via Internet, com mensagens de Londres, Nova York, Paris e Miami que chegam sem parar. We are one.

e-mail: palomino@uol.com.br



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