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GASTRONOMIA
De comida da terra da gente a gente é que entende
NINA HORTA
especial para a Folha
Há pouco tempo apareceu um
novo livro sobre bacalhau. "Cod:
a Biography of the Fish That
Changed the World" (Bacalhau:
uma Biografia do Peixe Que
Transformou o Mundo, Mark Kulansky, Alfred Knopf, 1997).
Aprendi lá o provérbio cubano:
"Te conozco bacalao, aunque
vengas desfrazao".
Uma das receitas que me chamou a atenção é de "bacalhua"
ao leite de coco, que o autor extraiu e adaptou do nosso Rosamaria. Bacalhua? A mulher do bacalhau? Já me dá um medo das armadilhas, de outros erros como esse,
que aceitaremos como cordeiros,
ignorantes das línguas e costumes
alheios.
Politicamente incorreto
Duas inglesas cozinheiras estão
fazendo enorme sucesso na BBC.
São gordotas, de meia-idade e andam numa motocicleta com "side
car". Uma dirige e outra vai ao lado, divertindo-se à grande.
Odeiam dietas, comem e bebem
de tudo. Não simpatizam com vegetarianos pois se cansaram de cozinhar legumes especiais para visitas e jamais, jamais um vegetariano lhes preparou um bife.
Um de seus livros chama-se
"Two Fat Ladies" (Duas Senhoras Gordas). Quando um jornalista lhes perguntou se não achavam
o título ofensivo e politicamente
incorreto, responderam que não
ligavam nem um pouco para
"two" (duas), nada havia de errado com "fat" (gordas).
Já "ladies" as incomodava bastante por fazer lembrar banheiros
femininos.
As receitas dos livros são ótimas,
práticas, e descubro que uma das
gordas morou até os cinco anos de
idade no Brasil e escreve com saudade sobre o "paulista cuzcuz",
substituindo a farinha de milho
por sêmola marroquina, cuscuz
marroquino. Louca, pensei com
meus botões. Depois refleti que
não custa experimentar. "Serendipity" é o nome da coisa.
Deve ficar ótimo um cuscuzinho
de semolina com um molho carregado de tomate, camarão (ela usa
sardinha), ervilhas, coentro.
Martabak frio
Mas que é o maior perigo escrever sobre comida de outra terra
que não a sua, é. Comi, numa reunião de cozinheiros, uma refeição
feita por uma indonésia. A entrada
era um pastel idêntico ao nosso,
mas frio. Perguntei as origens, me
interessei e na volta tasquei uma
crônica na Folha contando a história do martabak indonésio, comido frio.
Para quê?! Mita van Hien, indonésia de São Bernardo, queria me
comer quente. O quê? Martabak
comido frio? Onde é que eu estava
com a cabeça?
Mas, Mita, eu comi... Nem pedi
martabak e me trouxeram como
dobrada à moda do Porto, frio...
Pois ela jamais me perdoou. Toda vez que viaja me manda polaroids de martabaks quentes, feitos
na chapa, na vista do freguês,
queimando a língua.
Comida da terra da gente só a
gente entende.
Te conozco bacalao. Aunque
vengas desfrazao.
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