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RÉPLICA
É preciso olhar "Domésticas" sem preconceito
FERNANDO MEIRELLES
NANDO OLIVAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em sua crítica ao filme "Domésticas", Inácio Araujo diz
que as domésticas são ignorantes,
desastradas e burras. Está na cara
que ele não assistiu ao filme ou assistiu com sua idéia já preconcebida.
Ao ouvir a primeira risada da
platéia, já entendeu tudo e sapecou aquele monte de preconceito.
Muita gente ri, muita gente se
emociona. Para alguns, é um filme triste.
Suzana Amaral em sua avaliação para o Guia da Folha escreve:
"Drama ou comédia?". Era exatamente o que queríamos. O espectador primeiro ri, depois se pergunta do que está rindo.
Brasileiras domésticas
As domésticas do filme não são
burras. São românticas, religiosas, pragmáticas inconformadas
ou vêm de um outro Brasil, lá do
fundão, tentando entender os códigos da cidade. São apenas cinco
brasileiras querendo ser felizes
dentro de suas possibilidades, no
Brasil que existe.
O crítico também afirma não
ser possível fazer um filme sobre
escravos sem a presença de senhores e traficantes. Talvez ele tenha uma dimensão muito pequena das possibilidades narrativas
do cinema.
É, sim, possível fazer um filme
sobre escravos sem senhores, sem
traficantes, sem navios negreiros.
É mesmo possível fazê-lo sem que
seja necessário mostrar um único
escravo.
Não mostrar não é omitir:
quando a Creo, uma das personagens do filme, atravessa uma cozinha de 130 m2 de um apartamento
de luxo para ir dormir em seu
quartinho de 3 m2, ela pode falar
de striptease ou de futebol que
qualquer espectador conseguirá
tirar suas conclusões.
Esse jogo se repete durante todo
o filme, mas se o autor admitisse
isso ele perderia seu achado: "a
inocência do mal". Preferiu inocentemente ignorar as imagens e
ficar com o achado.
Nas mais de 200 entrevistas que
foram feitas por Renata Melo com
domésticas, de onde foram extraídos os principais textos do filme,
os patrões são raramente citados.
Os conflitos centrais de suas vidas continuam sendo a busca do
afeto, as questões morais e religiosas, a educação dos filhos. É sobre
isso o filme. Questões comuns a
toda a humanidade.
Circuito aberto
O autor da crítica ainda lança a
tese de que "Domésticas" é um filme feito para o circuito Jardins/
Morumbi/Higienópolis. Bastava
abrir o jornal para perceber que,
desde a sua estréia, o filme está em
exibição em apenas duas salas
deste circuito.
As outras cópias estão em salas
da Vila Prudente, Santo André,
Interlagos, Aricanduva, Tatuapé,
São Bernardo. Nenhuma cópia
nos Jardins. Inocência do mal?
Nesta semana atingimos 42 mil
ingressos só em São Paulo. Só
20% desse total vem de Higienópolis e do Morumbi.
No lançamento do filme, não
houve festas. Não houve pré-estréias. Preferimos distribuir mais
de 10 mil ingressos em sindicatos,
escolas públicas, ONGs.
Toda a estratégia de lançamento
esteve voltada para levar o filme
àquelas pessoas que não têm recursos para comprar ingresso ou
bem não tem o hábito de ir ao cinema.
O filme foi cedido para o projeto
BR Cinema em Movimento e está
sendo exibido em várias comunidades pelo Brasil. Por que falar
tão mal e com tanto rancor de
"Domésticas"?
Provavelmente porque o filme
tem feito sucesso. Para alguns críticos, o bom cinema nacional é
aquele do qual o público não gosta. Porque, se gostar, é filme de
mercado. E isso é algo que ele não
pode aceitar.
É preciso entender que o cinema nacional passa por um período de renovação, mas, para que
essa renovação seja completa, é
preciso que a velha crítica preconceituosa olhe os novos filmes com
o mesmo frescor com que os novos filmes, dos novos e velhos cineastas, estão sendo feitos.
Fernando Meirelles e Nando Olival
são os diretores do longa-metragem
"Domésticas"
DOMÉSTICAS - O FILME - Brasil, 2001.
Com: Cláudia Missura, Graziela Moretto e
Lena Roque. 90 min. Onde: em cartaz no
Metrô Tatuapé 6 (r. Domingos Agostim,
s/nš, SP, tel. 6192-9232). Quando: às
11h30, 15h40, 20h e 24h. Quanto: de R$
5 a R$ 10.
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