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CRÍTICA/DISCO
Melancolia coordena novo álbum da dupla
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O sarcasmo retrô que caracterizou o Air em sua estréia
(e rendeu o irônico clássico instantâneo "Sexy Boy") muito rapidamente se transmutou em melancolia, e é essa que parece mover e coordenar o novo CD da dupla francesa. Se na trilha sonora
do filme "As Virgens Suicidas"
(2000) se podia suspeitar que tal
traço fosse acidental ou episódico,
"10,000 Hz Legend" surge como
extensão da trilha e, portanto, distante à beça do álbum de estréia
que presenteou o Air ao mundo.
Há algo de megalomaníaco neste segundo CD oficial, e isso reside
muito em sua parecença com a fase berlinense de David Bowie. O
retrô do Air fugiu da fofura sessentista "space pop" de "Moon
Safari" (98) e agora mora em 1977,
gravitando em torno de "Low" e
"Heroes", de Bowie, e de "Trans-Europe Express", do Kraftwerk.
A mítica, então, parece contornar o achaque da superexposição
pop, de Kraftwerk flagrando que
mesmo os maiores astros têm de
se confrontar com o espelho e de
Bowie partindo num trem trans-europeu que o levasse para bem
longe-perto das drogas.
Os grandes momentos de
"10,000 Hz Legend" saem todos
desse recorte "bowieano", que está presente na catártica melodia
de "Radio # 1", no climão tenso da
pesada "Don't Be Light", na voz
grave e fantasmagórica de "Wonder Milky Bitch". As nuvens estão
carregadas no planetário do Air.
Essa fantasmagoria precipita
em letras o tratamento sonoro à
"Virgin Suicides" de faixas extremamente melancólicas como
"How Does It Make You Feel",
"Radian" e "Sex Born Poison"
(essa de clima interrompido por
inesperada cortina de fadinhas).
São sob medida para o coro bocó
de "não conseguiram se superar
no segundo disco", mas isso é mera bobeira. Os caras já não são os
mesmos, e ponto.
Nesse cenário, de ET só fica no
disco o folk-MPB "The Vagabond", com interferência de Beck.
Parece mais Beck que a dupla formada por Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, ponto de novo.
De resto, não tão Bowie nem tão
assombrada, sobra a faixa "Electronic Performers", vínculo com a
outra dupla perfeita do pop francês, Daft Punk. Simulacros de pianos e cordas entram em batalha
com os blimps do computador, e
a canção se consuma nas conclusões "somos performers eletrônicos", "somos eletrônicos". São os
semi-homens, forradinhos de fama e estancando com gaze suas
almas lancetadas.
10,000 Hz Legend
Grupo: Air
Lançamento: Virgin (dia 11)
Quanto: R$ 25, em média
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