São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2001

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CRÍTICA/DISCO

Melancolia coordena novo álbum da dupla

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O sarcasmo retrô que caracterizou o Air em sua estréia (e rendeu o irônico clássico instantâneo "Sexy Boy") muito rapidamente se transmutou em melancolia, e é essa que parece mover e coordenar o novo CD da dupla francesa. Se na trilha sonora do filme "As Virgens Suicidas" (2000) se podia suspeitar que tal traço fosse acidental ou episódico, "10,000 Hz Legend" surge como extensão da trilha e, portanto, distante à beça do álbum de estréia que presenteou o Air ao mundo.
Há algo de megalomaníaco neste segundo CD oficial, e isso reside muito em sua parecença com a fase berlinense de David Bowie. O retrô do Air fugiu da fofura sessentista "space pop" de "Moon Safari" (98) e agora mora em 1977, gravitando em torno de "Low" e "Heroes", de Bowie, e de "Trans-Europe Express", do Kraftwerk.
A mítica, então, parece contornar o achaque da superexposição pop, de Kraftwerk flagrando que mesmo os maiores astros têm de se confrontar com o espelho e de Bowie partindo num trem trans-europeu que o levasse para bem longe-perto das drogas.
Os grandes momentos de "10,000 Hz Legend" saem todos desse recorte "bowieano", que está presente na catártica melodia de "Radio # 1", no climão tenso da pesada "Don't Be Light", na voz grave e fantasmagórica de "Wonder Milky Bitch". As nuvens estão carregadas no planetário do Air.
Essa fantasmagoria precipita em letras o tratamento sonoro à "Virgin Suicides" de faixas extremamente melancólicas como "How Does It Make You Feel", "Radian" e "Sex Born Poison" (essa de clima interrompido por inesperada cortina de fadinhas). São sob medida para o coro bocó de "não conseguiram se superar no segundo disco", mas isso é mera bobeira. Os caras já não são os mesmos, e ponto.
Nesse cenário, de ET só fica no disco o folk-MPB "The Vagabond", com interferência de Beck. Parece mais Beck que a dupla formada por Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, ponto de novo.
De resto, não tão Bowie nem tão assombrada, sobra a faixa "Electronic Performers", vínculo com a outra dupla perfeita do pop francês, Daft Punk. Simulacros de pianos e cordas entram em batalha com os blimps do computador, e a canção se consuma nas conclusões "somos performers eletrônicos", "somos eletrônicos". São os semi-homens, forradinhos de fama e estancando com gaze suas almas lancetadas.


10,000 Hz Legend
    
Grupo: Air
Lançamento: Virgin (dia 11)
Quanto: R$ 25, em média




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