São Paulo, quinta-feira, 01 de junho de 2006

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Revolta da juventude atual difere da de 68, diz Michel

ESPECIAL PARA A FOLHA DA REPORTAGEM LOCAL

Leia abaixo a continuação da entrevista com Régis Michel.  

FOLHA - O que significa o movimento contra o CPE (Contrato do Primeiro Emprego) para a atualidade política francesa?
MICHEL
- A atualidade política francesa... será que existe uma atualidade política francesa [risos]? As pessoas deram sua opinião. O CPE é o nome que se dá para uma crise maior, serve como prognóstico de expectativas políticas. Eu leio por todo lado, na mídia, a idéia de que a França é um país que é incapaz de evoluir. É um absurdo. É precisamente um país que resiste enquanto pode ao liberalismo selvagem, puro e duro. O que temos é uma profunda recusa do modelo neoliberal.

FOLHA - Existe uma comparação freqüente entre estes jovens e aqueles do movimento de 1968. Em que medida eles são diferentes?
MICHEL
- Eu acho que 68 foi um movimento de profunda liberação, principalmente social, mas também cultural, sexual. Havia uma atmosfera revolucionária que foi bloqueada pelo sindicato, pela esquerda democrática, pela direita, todos amedrontados pela mudança. Mas a maneira era diferente. Hoje o que temos é um mundo de recusa.

FOLHA - E de reformas?
MICHEL
- Não. Eu me recuso a falar em reforma. Reforma quer dizer, sobretudo na linguagem dos políticos, se livrar de benefícios sociais, abolir as conquistas de direitos. É a regressão completa.

FOLHA - Mas, se não escutamos mais a palavra "revolução" e se a palavra "reforma" carrega todos esses significados, qual seria a palavra de ordem desses jovens?
MICHEL
- Nem uma nem outra. Eu creio que a verdadeira palavra é "resistência". A única coisa que nós podemos fazer hoje é resistir, o que não é necessariamente uma coisa negativa. Resistir é também resistir às evoluções políticas regressivas, perigosas, repressivas.

FOLHA - E quanto aos movimentos de periferia?
MICHEL
- Eles têm um conteúdo social diferente, particular. São pessoas marginalizadas. Não têm perspectiva, não têm emprego, estão numa espécie de gueto, sofrendo todo o tipo de discriminação... o que a gente pode esperar? Como não há esperança possível, as formas de resistência são violentas.

FOLHA - Essa "resistência" não vai fundar uma nova geração de pensadores e artistas?
MICHEL
- Me parece que não estamos num movimento de subversão cultural como ocorreu em 68. Aquele movimento foi preparado também pela revolução estruturalista e se desenvolveu com gente que já estava lá antes -Foucault, Derrida, Deleuze, Godard e outros. Na verdade, 68 foi a cristalização, a explosão de coisas profundamente preparadas nos anos anteriores. Com os CPEs absolutamente não é o caso.

FOLHA - Para as eleições de 2007 há perspectivas de mudança?
MICHEL
- Nenhuma. Naturalmente a esquerda é melhor do que a direita, e a possibilidade de uma mulher [Segolène Royal] na Presidência na França tem seu caráter simbólico. Mas não há nenhuma perspectiva de mudança nessa classe política, que é cega e surda: como em toda parte, na Europa, a democracia acha-se esclerosada, confiscada. Estamos entrando no que Deleuze chama de "sociedade de controle". Nada mais angustiante do que o devir paranóico das velhas democracias que não têm mais valores.


LUIZ RENATO MARTINS é professor na área de história e teoria crítica de arte da ECA-USP


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