São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2007

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Cinema/estréia

Crítica/"Zodíaco"

Fincher celebra mistérios do mundo

Diretor desvia-se do que parecia ser a idéia inicial (mais um filme de "serial killer') e faz um filme sobre filmes de "serial killer"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Os elementos que interessam a David Fincher estão lá desde o início: os crimes em série, a realidade como quebra-cabeça, a necessidade de decifrá-la, as grandes obsessões. Tudo parece encaminhar "Zodíaco" para a trilha de sucesso de "Seven".
É aos poucos que essa impressão se desbota na mente do espectador. Primeiro, pela intervenção da mídia: um repórter (Robert Downey Jr.) e um cartunista (Jake Gyllenhaal) intrometem-se na investigação dos crimes que começam a ocorrer em uma pequena cidade dos EUA, com o mesmo ímpeto que o investigador (Mark Ruffalo) designado para o caso.
Segundo, Fincher priva seu público do prazer do espetáculo criminoso. Toda aquela parafernália espalhafatosa em torno de cada crime, que caracterizava "Seven", no início até parece que vai se mostrar, mas em seguida se retrai.
Ficamos, então, envoltos por um conjunto de signos: cartas a decriptar -mas elas não chegam a nada conclusivo-, elementos de suspeita a investigar, modos de ação do criminoso a detectar. Quem é o criminoso? Essa é a questão inicial, lançada também com a previsível ênfase pelos jornais -a mídia desta vez é um personagem privilegiado do filme.

Densidade dramática
Aos poucos, no entanto, a questão parece se deslocar. A ficção se torna mais densa, e o mistério policial propriamente dito se esgarça. O repórter torna-se um bêbado, perde o emprego no jornal de San Francisco, desloca-se para uma cidade secundária. O cartunista acaba abandonado pela mulher, já que só pensa no crime.
O potencial destrutivo da obsessão toma, aos poucos, o lugar do mistério. A questão "quem é o criminoso?" perde importância. O esconde-esconde entre "serial killer" e seus perseguidores revela ao menos uma nova face: o que fica de um crime é menos seu efeito imediato, e sim seu poder de afetar quem está por perto. A patologia e a ficção envolvida nela é que destroem.
Com isso, Fincher habilmente desvia-se do que parecia ser seu intento inicial -fazer mais um filme de "serial killer"- para fazer um filme sobre os filmes de "serial killer" e a atração que exercem sobre o público.
Não por acaso, o investigador e o cartunista encontram-se numa exibição de "Harry, o Sujo", de Don Siegel -inspirado, justamente, no caso do assassino de "Zodíaco": o cinema torna-se, então, a mediação entre realidade e imaginário.
Filme adulto de Fincher, "Zodíaco" corre o risco de ser um fracasso (a menos que a publicidade trabalhe a favor), na medida em que nele a frustração é a idéia mais ativa -espectadores e Hollywood detestam a frustração.
Estamos diante de um filme de crime em que, quanto mais caminhamos para a elucidação do mistério, mais entramos num emaranhado de sinais que parecem celebrar, mais do que tudo, o mistério do mundo: este mundo que, só por um gesto de ficção, nós acreditamos dominar. É esse gesto, a ficção, que "Zodíaco" questiona.


ZODÍACO
Direção:
David Fincher
Produção: EUA, 2007
Com: Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr.
Quando: estréia hoje nos cines Eldorado, Unibanco Arteplex e circuito
Avaliação: ótimo


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